Há sete meses, Claudia Sheinbaum tem mostrado luz própria. Eleita presidente do México com as bênçãos do antecessor, o popular e controverso Manuel López Obrador, a cientista e ambientalista mantém alta sua popularidade – 75% de apoio, segundo o instituto Buendía & Márquez –, após uma vitória incontestável nas urnas, a maior em 40 anos. Com uma agenda doméstica focada em justiça social, desenvolvimento econômico sustentável e fortalecimento das instituições democráticas, Sheinbaum investe em uma linha direta com a população e não se intimida diante das ameaças de Donald Trump. O adiamento por um mês da aplicação de tarifas de 25% sobre os produtos de seu país exportados para os Estados Unidos, anunciadas anteriormente pelo republicano, foi uma vitória da paciência e da altivez da mexicana diante da truculência do Grande Irmão do Norte. A mudança unilateral e válida apenas no território norte-americano do nome do Golfo do México para Golfo das Américas, apesar da subserviência do Google, em outra demonstração de alinhamento das big techs com a Casa Branca, mereceu da presidente desprezo e desdém. Em uma de suas coletivas de imprensa diárias, Sheinbaum fez troça do decreto. “O Golfo do México ainda é o Golfo do México”, resumiu.
De acordo com Pamela Starr, especialista em política mexicana da Universidade do Sul da Califórnia, o embate entre os vizinhos não será solucionado facilmente, mas, no fim das contas, Estados Unidos e México precisarão chegar a um acordo. A razão, afirma, é a importância estratégica da relação bilateral entre os dois países. Starr argumenta ainda que Trump não conseguiria sustentar por muito tempo uma tarifa de 25% sobre as exportações mexicanas para os EUA, classificando a medida como “fanfarronice”. “Trump e Sheinbaum são duas personalidades muito fortes e dois presidentes populares. Ela vai tentar defender o México da melhor forma possível. E Trump, certamente, tentará intimidá-la, mas duvido que tenha sucesso. Ao mesmo tempo, acredito que ele a respeitará por causa de seus altos índices de aprovação. Isso é algo que ele respeita enormemente.” Outra pesquisa da Buendía & Márquez indica: ao contrário de Sheinbaum, a popularidade do republicano é extremamente baixa entre os mexicanos.
A acadêmica ressalta outro dado curioso: ao contrário do que se vê em grande parte do Ocidente, onde a insatisfação dos eleitores é visível, os mexicanos estão “surpreendentemente felizes”. Essa mudança de cenário, diz, é algo recente. “Há seis anos, o clima era de descontentamento, mas hoje a realidade é outra. Esse otimismo se reflete diretamente no apoio à atual presidente, em quem os cidadãos depositam confiança para dar continuidade às políticas de Obrador. E essa satisfação geral é um dos fatores que explicam a estabilidade política do México em um momento de incertezas globais.”
Os mexicanos, ao contrário de grande parte dos eleitores no Ocidente, andam bastante satisfeitos
Muitos são os fatores associados a essa confiança. Desde os primeiros dias no poder, Sheinbaum passou a utilizar um modo de fazer política típico da extrema-direita: ela conversa diariamente com os eleitores pelas redes sociais. Todos os dias lives são publicadas em seus canais e podem ser acompanhadas ao vivo pelo YouTube. Nas chamadas “conferências matinais”, os jornalistas são convidados a fazer perguntas, ministros apresentam balanços e a presidente, sempre de forma didática, dá ao eleitor o que interessa. Presta contas do uso do dinheiro público e detalha as promessas de campanha efetivamente cumpridas ou em andamento.
Entre os destaques está a adoção de eleições para juízes federais, discussão iniciada ainda no governo de Obrador, mas que sob a liderança de Sheinbaum ganhou novo fôlego e nova cara. Previstas para acontecer em junho próximo, as reformas constitucionais sem precedentes prometem democratizar o sistema de Justiça e aumentar a transparência. Outra promessa de campanha audaciosa a ser cumprida é o plano industrial de seis anos, com foco no crescimento econômico e na atração de investimentos estratégicos. O projeto não apenas pretende modernizar a economia mexicana, mas também garantir que os benefícios da expansão sejam distribuídos de forma equitativa, priorizando setores como energia renovável, tecnologia e infraestrutura sustentável.
Carin Zissis, editora-chefe do Americas Society/Council of the Americas (AS/COA), site que hospeda conferências públicas e reuniões privadas e não oficiais para debater a América Latina, avalia que a fragilidade da oposição no México é um fator crucial para explicar a alta popularidade da presidente, mas não impede a eleita de se esforçar para exercer um mandato conciliador, o que torna o apoio a ela quase unânime, sobretudo quando o assunto é política externa. “Ela se comunica de forma eficaz com a população, mantendo coletivas de imprensa diárias que ajudam a controlar o debate. Embora não seja considerada carismática, sua postura direta e preparada conquistou a confiança dos eleitores.”
Além disso, prossegue Zissis, a presidente mexicana soube diferenciar-se em questões como o feminismo, promovendo uma agenda mais inclusiva para as mulheres, o que levou à redução das tensões com os movimentos sociais. “O México, apesar de ter uma cultura e uma percepção de ser muito machista, também tem leis de paridade de gênero muito sofisticadas. Potencialmente, é das mais sofisticadas do mundo e uma das maiores taxas de paridade de gênero no planeta. Apesar de talvez existir machismo em um nível cultural, os mexicanos estão muito acostumados a ver mulheres ocupando posições de poder.”
A estrada que Sheinbaum tem a trilhar ainda é longa e repleta de percalços. Só o futuro há de comprovar se as esperanças depositadas pelos mexicanos serão correspondidas. Até agora, no entanto, a presidente tem feito jus à confiança popular. E desponta como uma liderança promissora do campo progressista. •
Publicado na edição n° 1348 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sem medo de ser feliz’