O presidente do PSD, Gilberto Kassab (crédito: Wikimedia Commons)

Há 17 anos, o então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) assinou contratos de obras públicas na avenida Roberto Marinho com valores que superaram meio bilhão de reais. Já no ano seguinte, a 4ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social instaurou o Inquérito nº 1.241/2009. Desde então, lá se vão 16 anos em que os advogados do político manobram recursos, e o processo não sai da primeira instância.

O Ministério Público do Estado de São Paulo passou 11 (ONZE) anos investigando os contratos e as obras. Finalmente, em 26 de março de 2020, os promotores paulistas apresentaram a denúncia por improbidade administrativa contra o ex-prefeito e mais quatro réus, incluindo seu então secretário de Obras e diretores das empreiteiras que participaram do esquema.

Na ação judicial, o MP-SP afirma e apresenta provas de que “Gilberto Kassab enriqueceu-se ao usufruir de recursos de propina envolvendo contratos para fins estranhos ao interesse público.”

Após uma invedtigação que durou 11 anos, o MP-SP denunciou Gilberto Kassab por receber propinas em obras públicas (crédito: TJ-SP)

O processo TJ-SP 1016358-63.2020.8.26.0053 tramita na Justiça paulista. Ele já acumula mais de 3.800 páginas em seus autos e sequer foi julgado em primeira instância. Em dezembro do ano passado, os advogados de Kassab peticionaram o oitavo recurso no processo (que, repita-se, sequer possui uma sentença de primeira instância), o quarto em que se pede a prescrição dos ilícitos cometidos, e a consequente extinção do processo sem julgamento do mérito.

Ao longo de todo o processo – a que o DCM teve acesso na íntegra – Gilberto Kassab jamais apresentou qualquer prova de sua inocência, nem foi capaz de refutar as provas apresentadas pelos promotores públicos.

Tudo o que fez, com uma miríade de recursos protelatórios, foi questionar prazos, debater competência, propor nulidades, demandar diligências e prescrições, solicitando, depois disso tudo, que o processo seja arquivado sem que o caso seja julgado.

Veja, abaixo, um resumo de como Gilberto Kassab está há 16 anos protelando inquéritos e processos que apontam o desvio de milhões de reais de dinheiro público em obras cujas concorrências eram fraudadas e os valores, superfaturados.

 

1 – O Inquérito 1.241/09: 11 anos de investigações e a descoberta de uma quadrilha nas obras públicas

Tramitou na 4ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, a partir do início de 2009, o Inquérito nº 1.241/09, no qual se apurava, inicialmente, irregularidades em uma concorrência (nº 22/08), e em dois contratos (3.909/09 e 3.908/09).

Visavam a execução das obras e serviços do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano. Durante as investigações, o objeto do procedimento foi ampliado, apurando-se, entre outros fatos, irregularidades relativas às obras do Túnel Roberto Marinho.

O projeto licitatório foi dividido em 4 (quatro) lotes, sendo o Lote 2, contrato182/SIURB/ 2011, referente ao Prolongamento da av. Jornalista Roberto Marinho, da av. Dr. Lino de Moraes Leme até a Rodovia dos Imigrantes, vencido pelo Consórcio Via Roma (ODEBRECHT/CONSTRAN) pelo valor de R$ 512.174.684,73 (quinhentos e doze milhões, cento e setenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e quatro reais e setenta e três centavos).

As investigações levaram a provas de que a secretaria de Obras de São Paulo havia entrado em conluio com as empresas Odebrecht, Constran e Dersa para escolherem fraudulentamente quem seria o consórcio vencedor para realizar as obras na Roberto Marinho.

2 – MP-SP usa provas colhidas por procuradores da Operação Lava Jato

Ao longo das investigações, as autoridades paulistas recebem a informação de que a Polícia Federal e Ministério Público Federal, no âmbito da “Operação Lava Jato”, tinham que o “Túnel Roberto Marinho fora objeto de tratativas ilícitas entre agentes públicos e a empresa Odebrecht, por intermédio de MARCELO FURQUIM PAIVA (Diretor de Contratos da Odebrecht), PAULO VIEIRA DE SOUZA (Paulo Preto), Diretor da DERSA, ELTON SANTA FÉ ZACARIAS, na condição de secretário de obras da prefeitura à época, o ex–prefeito GILBERTO KASSAB e demais empresas cartelizadas.”

Segundo o apurado, Paulo Vieira, usando da condição de Diretor da DERSA, “articulou um cartel relativo às obras do referido Túnel que, por serem mais complexas, foram ‘separadas’ para empresas de grande porte. Assim, PAULO VIEIRA DE SOUZA exigiu propinas de todas as empresas participantes, antes da realização do certame,  as quais seriam destinadas para campanhas eleitorais, assim garantindo que a empresa pudesse vencer a licitação de alguma das obras.” Veja, abaixo, trecho da denúncia do MP-SP.

O MP-SP recebeu informações dos procuradores da Operação Lava Jato sobre propinas em obras públicas paulistanas (crédito: MP-SP)

Realizadas as licitações e respectivas contratações, o esquema era uma cópia perfeita daquele narrado em obras federais investigadas pelo procurador Deltan Dallagnol e seus associados, conforme descreve o MP-SP:

“A propina seria paga no montante de 5% sobre as medições, mais o custo de geração dos recursos ilícitos (doleiros, intermediário e outras maneiras de “esquentamento” do dinheiro), que seria de aproximadamente de 1%.

GILBERTO KASSAB, conhecedor da divisão fraudulenta dos lotes e do acerto com PAULO VIEIRA, aquiesceu com o esquema, já que seria beneficiado em tratativas de campanha eleitoral. Aliás, saliente-se que diversos pagamentos ilícitos em favor do requerido pela empresa Odebrecht estão sendo combatidos em mais uma ação civil de improbidade administrativa (autos n. 1061823-03.2017.8.26.0053 – 9ª Fazenda Pública da Capital).

Quer dizer: enquanto os processos contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gleisi Hoffmann, Guido Mantega, José Dirceu, Paulo Okamoto e Fernando Haddad, para citar poucos exemplos de políticos do PT processados na Lava Jato, corriam a toque de caixa nas mãos de Dallagnol e no colo do então juiz Sergio Moro, em São Paulo foram 11 anos apenas para propor a denúncia contra Gilberto Kassab. E, até agora, repita-se: não há sequer o julgamento em primeira instância.

Gilberto Kassab: investigado desde o início da Lava Jato, mas até gora com o processo na primeira instância (crédito: MP-SP)

 

3 – “R$ 28 milhões pela simples instalação de um canteiro”

Em um dos contratos investigados, os promotores descobriram que a empresa Odebrecht recebeu o valor de R$ 23.007.337,59 na data base de julho/2010 e R$ 5.067.387,16 de reajuste contratual (totalizando R$ 28.069.724,97) “pela simples instalação de um canteiro de obras”, informa o MP-SP.

Ele era referente ao Lote 2, contrato 182/SIURB/2011, para prolongamento da av. Jornalista Roberto Marinho, da av. Dr. Lino de Moraes Leme até a Rodovia dos Imigrantes.

No processo, o Ministério Público mostrou que, “mesmo com as obras paralisadas, os pagamentos continuaram sendo realizados ao Consórcio Via Roma (ODEBRECHT/CONSTRAN).”

A Odebrecht recebeu R$ 28 milhões “pela simples instalação de um canteiro de obras” (crédito: MP-SP)

Somente por causa desse canteiro superfaturado, em 24 de abril de 2018, já durante a gestão João Dória, a 4ª Promotoria e o Município de São Paulo firmaram com a Odebrecht um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), autuado sob o número PJPP-CAP550/2018. A Gilberto Kassab, nenhuma punição até ali.

Ficou ajustado que a empreiteira pagaria R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), em 22 parcelas iguais e corrigidas monetariamente, cabendo 90% ao Município de São Paulo, 5% ao Fundo Estadual de Interesses Difusos do Estado de São Paulo e 5% ao Fundo Estadual de Perícias do Estado de São Paulo, relativo aos processos de ações civis públicas e populares.

4 – Em busca da prescrição: cinco anos protelando o processo na 1ª Instância, 

Desde o dia 26 de março de 2020, data da abertura do processo contra Kassab, seu ex-secretário e diretores de empreiteiras, os réus já peticionaram mais de dez pedidos protelatórios, ainda no âmbito da primeira instância. Em todos eles, Kassab e seus associados alegam falhas técnicas no processo ou na colheita de provas, e solicitam o fim do processo sem julgamento.

No dia 10 de agosto de 2023, já folha nº 3.225 do processo, o promotor André Pascoal da Silva mostrava cansaço ao enfrentar mais uma petição dos réus de conteudo repetitivo. Veja abaixo.

MP-SP registra que Kassab e seus associados peticionam repetitivos recursos no processo de que são réus (credito: MP-SP)

Respondendo a mais este recurso, o MP-SP afirmou que “a anuência do Prefeito e sua participaçãono esquema criminoso criado para lesar o erário municipal sãoinquestionavelmente descritas como intencional e dolosa, não havendo,portanto, a ocorrência da prescrição.”

A Justiça deu razão à promotoria, mas antes que pudesse ser marcada uma data para a sentença definitiva em primeira instância, os advogados de Kassab mais uma embargaram a decisão, no dia 29 de novembro do ano passado.

Já que não conseguiram a prescrição do processo, dessa vez alegam um novo motivo para pedir a extinção do processo: é que a fase de investigação (que durou 11 anos), essa sim poderia levar à prescrição dos atos ilícitos cometidos. Veja abaixo a reprodução da página nº 3.802 do processo.

Advogados de Kassab pedem prescrição dos atos ilícitos cometidos pelo ex-prefeito (crédito: TJ-SP)

Assim caminha o processo de 16 anos de Gilberto Kassab por improbidade administrativa: com mais um pedido de prescrição solicitado pelo ex-prefeito e aguardando para ser analisado pela Justiça paulista. Nesse ritmo, é de se imaginar que Kassab teria que bater recordes de longevidade para ver a ação seguir seu curso até o Supremo Tribunal Federal .

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Last Update: 04/02/2025