E agora, quem vai salvar o mundo?
por Felipe Bueno
Assim como Rita Lee, Machado de Assis, David Lynch e outros e outras apareceram como cometas recentemente na mídia mainstream, anote minhas palavras: dentro de alguns meses você lerá ou ouvirá “tudo sobre” Bob Geldof e Midge Ure, os músicos, vivos até o momento em que escrevo este texto, por trás do Live Aid, festival de rock que completa 40 anos em 2025. Causará então surpresa a muitos saber que as majestosas cenas reconstituídas no filme Bohemian Rapsody, de 2018, tinham um significado um pouco maior que a reconciliação entre quatro integrantes de uma banda de sucesso.
Ingênuos éramos em 1985. Atendemos com lágrimas nos olhos o apelo para lutar contra a fome na Etiópia e nos mobilizamos, artistas, empresários, políticos e público, para tornar um sucesso o festival realizado na Filadélfia e em Londres. Para construir um mundo melhor e mais justo, bastava ficar em frente à TV e curtir Madonna, U2, Pink Floyd, Dire Straits, Mick Jagger e Tina Turner, entre tantos outros e outras. Reproduzimos essa ilusão milhares de vezes em diversos formatos: cassete, vinil, CD, VHS, DVD. Hoje podemos curar a ressaca vendo vídeos com imagens e áudios restaurados no YouTube.
Aliás, imagine se aquele mundo tivesse Instagram, TikTok e LinkedIn.
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Artistas da música, por mais pop que fossem, por mais simples que fossem suas canções, faziam parte de um subgrupo privilegiado da elite cultural, que por vezes merecidamente demandava atenção e era ouvido. E muitos, de fato, tinham o que dizer. Não com a profundidade acadêmica de um Noam Chomsky, de uma Simone de Beauvoir ou de um Michel Foucault – que também viviam seus momentos de rock stars. Mas, por meio de letras e atitudes, conseguiam expor causas e mover multidões.
Falamos aqui sobre outros tempos, em que ainda eram ouvidas as canções de protesto. Contra as guerras que viriam e as que foram, como a do Vietnã. Contra a alienação, contra a xenofobia, contra o consumismo, contra o racismo.
Joan Baez, Bob Dylan e Neil Young e tantos outros acreditavam de verdade num mundo melhor e pregavam caminhos – viáveis ou não – para isso. Hoje, fossilizados, têm ecos de suas canções ouvidos apenas em bolhas herméticas que ainda possuem toca-discos ou cd players em suas salas.
E agora, que o rock morreu, quem vai salvar o mundo?
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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