Balneário Camboriú, redes sociais, Jung e Debord
por Francisco Fernandes Ladeira
Todos nós, seres humanos, ao interagirmos com nossos pares, estamos, de alguma forma, interpretando personagens de nós mesmos. Estes “personagens” são baseados nas imagens que pensamos transmitir para os outros e nos padrões que a sociedade espera de nós. Assim, agimos conforme o que se entende por postura de um professor, um pai de família, um colega de trabalho, um membro de uma comunidade religiosa, um companheiro de bar e assim por diante.
O famoso psicanalista Carl Jung chamou essas máscaras sociais que usamos de “persona”. À medida que avança nossa maturidade, as expectativas dos outros sobre nós passam a ter menor influência, culminando no estágio conhecido como “individuação”, em que não nos importamos tanto com opiniões alheias e chegamos ao “verdadeiro eu”. Lembrando um dito popular e uma frase de autoajuda compartilhada em redes sociais, para Jung, “a vida começa aos 40”, quando “paramos de agradar a plateia”.
Nessa mesma linha, o pensador francês Guy Debord cunhou o termo “sociedade do espetáculo”, ao se referir ao contexto do capitalismo em que as relações sociais passaram a ser mediadas por imagens e as mensagens que elas carregam. Assim, a “essência” foi substituída pela “aparência”, o “ócio” se transformou em “lazer” e o “ser” foi degradado pelo “ter” (socialmente um indivíduo é valorizado pelo que possui, e não pelo seu caráter).
Já no século XXI, com as redes sociais, não basta “ter”, é preciso “ostentar”. Ou, mesmo que não se tenha algo, é preciso “parecer ter”. Por meio de um perfil no Facebook, Instagram ou no TikTok, criamos personagens de nós mesmos, que potencialmente podem ser vistos (e de preferência invejados) em todos os lugares do planeta onde haja acesso à rede mundial de computadores. No alter ego digital, todos podem ter uma vida perfeita, de acordo com os ideais mais valorizados. Se o que postamos não condiz em nada com a realidade, é o que menos importa. Como diz o título de uma música do Queen: o show não pode parar.
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Nesse sentido, uma empresa que oferece aluguel de carros, localizada em Balneário Camboriú, litoral de Santa Catarina, trouxe uma inovação que provavelmente deixariam abismados Jung e Debord. Durante 40 minutos, você pode alugar um Porsche, Dodge e Lamborghini – seja como motorista ou carona – para tirar onda de milionário nas principais ruas do concorrido balneário catarinense e na vizinha Itajaí.
Além disso, por um pacote adicional de aproximadamente 900 reais, é possível ostentar o passeio com um carro de luxo nas redes sociais, a partir dos serviços de fotógrafo profissional e piloto de drone. Pronto: aquela postagem, reel ou story, que vai gerar centenas ou mesmo milhares de curtidas e comentários, além de despertar a inveja alheia, não é mais privilégio de celebridades (seja das redes sociais ou da decadente televisão); também está acessível ao cidadão comum.
Diante dessa realidade mórbida, Jung e Debord, se não perdessem a esperança na humanidade, provavelmente iam rever seus conceitos de persona e sociedade do espetáculo.
Francisco Fernandes Ladeira é professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)
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