No dia 1º de fevereiro de 2025, um sábado quente e ensolarado, Buenos Aires foi tomada por uma onda de cores e resistência. Uma marcha convocada por uma assembleia antifascista autônoma reuniu travestis, trans, gays, lésbicas, pessoas não binárias e aliados de diversos setores da sociedade. O evento foi uma resposta direta ao discurso do presidente Javier Milei no Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde ele atacou a comunidade LGBTQIA+, acusou casais gays de pedofilia e criticou políticas de gênero e migração.
A marcha, que começou na Avenida de Mayo, em Buenos Aires, foi marcada por uma bandeira gigante de 14 metros de largura, carregada por 50 pessoas, incluindo crianças e adolescentes trans. O símbolo, pintado no dia anterior no Hospital Bonaparte, representou a união de lutas antirracistas, antifascistas e pró-diversidade. “Diga basta”, ecoou entre os manifestantes, muitos dos quais participavam de uma passeata pela primeira vez, tendo até votado em Milei.
Houve ainda marchas animadas pelo interior do país. Como demonstram relatos na imprensa, as próprias organizações LGBT+ se surpreenderam com a adesão de amplos setores locais de cidades pequenas e conservadoras, onde 65% votaram em Milei, como Pergamino, na fronteira norte da província de Buenos Aires. Na grande Rosario, uma multidão enfrentou o calor de 33 graus para dizer que: “Com Milei, a liberdade é adiada”.
Diziam que marcham em repúdio ao discurso de ódio do presidente, mas também para denunciar os cortes que existem em nível nacional e que impactam as políticas públicas provinciais que afetam seus direitos. Afinal, comunidade LGBT+ também abrange aposentados, aqueles que estão entrando no sistema de saúde e os desempregados. Um documento lido ao final da manifestação deu o tom: “Que os fascistas voltem pra dentro do armário!”
Confluência de lutas e setores
A transversalidade foi uma das marcas da marcha. Organizações LGBTQIA+, feministas, sindicatos, partidos políticos de oposição e movimentos sociais se uniram em um ato político que transcendeu questões de gênero e diversidade. “Esta marcha é um ponto de inflexão. Ela coloca no centro do debate a humanização das diversas formas de existir no mundo”, destacou uma representante do Ministério de Gênero e Diversidade da Província de Buenos Aires.
A presença de figuras públicas, como as cantoras Lali Espósito e María Becerra, e das Mães da Praça de Maio, reforçou o caráter plural do evento. “Mães da Praça, as travestis abraçam vocês”, gritavam os manifestantes, em um momento emocionante de solidariedade entre gerações.
Resposta ao discurso de ódio
O discurso de Milei em Davos, que também atacou migrantes e defendeu negacionistas das mudanças climáticas, foi o estopim para a mobilização. No entanto, o governo tentou minimizar o impacto da marcha, alegando que os participantes foram “usados pela oposição”. Milei chegou a afirmar que suas declarações foram “editadas” e distorcidas, numa demonstração de sua derrota pelos manifestantes, mas a transcrição oficial e o vídeo completo do discurso confirmam suas palavras.
A comunidade LGBTQIA+ e aliados rejeitaram as tentativas de deslegitimação. “Você não pode cobrir o sol com as mãos. Aqueles que o presidente descreveu como um perigo para a sociedade foram abraçados por uma multidão”, afirmou um ativista da organização 100% Diversidade e Direitos.
Impacto político e social
A marcha não apenas mobilizou milhares de pessoas, mas também pressionou o governo a recuar em algumas de suas propostas mais polêmicas. Especialistas alertaram que a eliminação da figura do feminicídio do Código Penal, defendida por Milei e seu ministro da Justiça, poderia beneficiar centenas de assassinos condenados. Diante das críticas, a Casa Rosada começou a reconsiderar a medida.
Além disso, o evento destacou a força da mobilização popular como contraponto ao discurso de ódio e às políticas de austeridade do governo. “Esta marcha foi um aviso claro de que a sociedade não vai tolerar o fascismo”, disse uma ativista feminista.
Um dia de beleza e resistência
A marcha foi um exemplo de como a alegria e a diversidade podem ser armas poderosas contra a crueldade e a opressão. Crianças, idosos, trabalhadores, artistas e militantes se uniram em um ato de amor e resistência que ecoou além das fronteiras da Argentina. “Começamos fevereiro com um sorriso e uma esperança”, refletiu o editorialista de Página 12.
Enquanto o governo tenta desqualificar o movimento, a mensagem das ruas é clara: a luta por direitos humanos, diversidade e justiça social não será silenciada. A marcha de 1º de fevereiro entrou para a história como um marco na resistência ao fascismo e na defesa da democracia.
Com informações de Página 12