A Oitava Câmara Recursal do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo arquivou um processo no qual o jurista Ives Gandra Martins era acusado de incitar o golpismo nas Forças Armadas.

Em dezembro de 2023, o Tribunal de Ética da OAB havia decidido arquivar a representação, protocolada pela Associação Brasileira de Imprensa e pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos. As entidades recorreram, mas não obtiveram êxito.

A OAB não chegou a analisar o mérito do recurso e decidiu arquivá-lo por ter sido, em tese, apresentado fora do prazo — um dia depois do limite estabelecido.

Entenda o caso

A Polícia Federal encontrou no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), um “guia” para aplicar um golpe de Estado no Brasil no fim de 2022.

A sustentar a conspiração havia um conjunto de respostas enviadas por Ives Gandra Martins a questões levantadas por e-mail pelo major Fabiano da Silva Carvalho. O militar afirmou, segundo a PF, cursar o segundo ano de Comando e Estado Maior do Exército.

Carvalho perguntou ao jurista se as Forças Armadas poderiam ser empregadas “na garantia dos poderes constitucionais” em situação de normalidade. Gandra Martins afirmou, então, que “pode ocorrer em situação de normalidade se no conflito entre poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução”.

Na sequência, questionado sobre quais “ameaças” poderiam motivar o emprego das Forças Armadas “em garantia dos poderes constitucionais”, Gandra Martins mencionou o artigo 142 da Constituição e especificou: “Inimigo externo ou crise entre poderes”.

Diz o artigo 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Com frequência, bolsonaristas recorrem a interpretações golpistas do artigo com o objetivo de pregar uma intervenção militar no Brasil.

Nas respostas aos questionamentos, Ives Gandra Martins ainda alegou que “a implantação dos governos militares em 1964 foi uma imposição popular por força dos desmandos do Governo Jango” e de um suposto “desrespeito constitucional” a princípios da hierarquia militar.

As perguntas e as respostas foram salvas em um arquivo no celular de Cid, intitulado Análise Ideia Ives Gandra. Adiante, entra em cena um documento chamado Forças Armadas como poder moderador — trata-se, na prática, de um “guia” para aplicar um golpe de Estado no Brasil no fim de 2022.

O início do documento se baseia justamente em uma “síntese da ideia de Ives Gandra”, seguida pelo intertítulo Fundamento da ideia de Ives Gandra. Na sequência, o texto destaca uma “sugestão de roteiro para atuação das Forças Armadas como moderadora[s]”.

O passo a passo começa com um requerimento a ser enviado pelo presidente da República aos comandantes militares, a conter “a descrição detalhada” de supostos atos do Poder Judiciário que “acarretam desarmonia entre os Poderes ou mesmo violação das prerrogativas constitucionais” do Executivo.

Depois, o comando militar analisaria o documento, a fim de validar ou não a argumentação. O texto alega que o item anterior seria capaz de comprovar, além de uma atuação ilegal da Justiça, um suposto “abuso praticado pelos maiores conglomerados da mídia brasileira”.

Com o aval da caserna, o presidente nomeraria um interventor responsável por coordenar “as medidas de restabelecimento da ordem constitucional”, a ocorrer em um prazo fixado por ele. Instituições como a Polícia Federal também ficariam subordinadas a essa figura.

O interventor teria, entre outros poderes, o aval para suspender atos praticados pelo Poder Judiciário e afastar os responsáveis por essas decisões. Também poderia abrir inquéritos e encaminhá-los para que se tornassem processos contra, por exemplo, ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em caso de afastamento de ministros do Tribunal Superior Eleitoral, diz o documento golpista, seriam nomeados Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.

Caberia ao interventor, por fim, estabelecer um prazo para a realização de novas eleições, a serem coordenadas pelo TSE “em sua nova composição”. Poderia ser em um mês, em um ano ou mais.

O arquivamento na OAB

A ABI e o MNDH pediam a abertura de um procedimento ético administrativo interno do Conselho Federal da Ordem. Ao advogado, sustentaram as entidades, cabe o papel de “pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum”.

Na decisão, contudo, o Tribunal de Ética disse não ter identificado indícios mínimos de infração disciplinar nos argumentos elencados pela representação. Ponderou também que realizar um estudo com “entendimento teórico sobre os aspectos de determinado preceito constitucional” não pode ser entendido como “uma incitação à qualquer prática criminosa”.

Os processos são sigilosos e só podem ser consultados pelas partes, por seus defensores e pela autoridade judiciária competente.

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Last Update: 03/02/2025