Amigos de Poços de Caldas me informam sobre os 100 anos da Associação Atlética Caldense. O slogan “um clube, um orgulho, uma tradição” foi cunhado por meu pai, Oscar Nassif, durante muitos anos diretor de futebol do clube.

Lembro-me, com orgulho, quando me levava para visitar os vestiários da Caldense, ou quando o esquadrão foi responsável pelo recorde de 57 partidas invictas, inclusive enfrentando times grandes.

Coube a ele descobrir Mauro Ramos de Oliveira, o grande Mauro, capitão da Seleção Brasileira de 1962. Havia torneios de futebol amador, bancados pelo comércio da cidade. O primeiro time de Mauro foi o da Farmácia Central, Salva Sempre, do seu Oscar.

Papai liderou, também, o grupo de diretores da Caldense que foi até São João da Boa Vista negociar o campo de futebol com o Coronel Cristiano Osório de Oliveira, o mais rico fazendeiro e banqueiro da região. Em troca do campo, a prefeitura cedeu um espaço em área privilegiada da cidade, no qual o coronel construiu seu chalé.

Como diretor de futebol, foi responsável pela contratação de Dondinho, o pai de Pelé, tido como grande cabeceador.

Foi durante muitos anos, também, correspondente da Gazeta Esportiva, de longe o jornal esportivo de maior influência no país. Graças a seu contato com Carlos Joel Nelli, o influente diretor do jornal, conseguiu trazer a seleção de 1958 para Poços, nos preparativos para a Copa do Mundo.

Na foto, O ídolo Arthur Friendereich apitou o jogo entre Caldense e Pernambuco, em 1942, em Poços de Caldas. Oscar Nassif é o segundo agachado, da esquerda para a direita

Com 7 anos, acompanhei a tristeza da cidade quando perdeu a invencibilidade para o desconhecido Circulista, clube pequeno de uma cidade do interior de São Paulo. Com 8 anos, acompanhei todos os treinamentos da Seleção.

A Seleção foi com 48 jogadores e 4 goleiros – Gilmar, que terminou titular, Carlos Alberto, acho que do Vasco, Hélio, do Botafogo e um quarto que não me lembro. Aliás, mesmo com 8 anos, muitas cenas da seleção ficaram na minha memória.

Nos treinos, lembro-me de um atacante loiro que não jogava nada, se arrastava em campo. Perguntei ao meu pai se era enxerto, um dos membros da Padaria Santa Maria – que tinha dois ou três irmãos jogando na Caldense. Que nada! Era Mazola, já negociado com um clube italiano, que não queria se machucar. Acabou substituído por Vavá, o Peito de Aço.

Mas a memória maior ficou na tragédia seguinte. Com o Brasil campeão, houve uma festa em Poços e vários jogadores vieram em agradecimento, entre eles Mauro, Pelé e Beline. Foi montado um palanque na praça das Thermas. Eu fiquei em cima, com meu pai, distribuindo confetes e serpentinas aos meninos que estavam se acotovelando do lado. O palanque ruiu. Meu pai me pegou no colo e afastou com o pé, algumas pessoas jogadas para cima de nós pela inclinação do palanque. No acidente, morreu o jovem Marcílio Dias, filho de um senhor que morava em cima da Livraria da rua Prefeito Chagas.

No fundo, à direita, Oscar Nassif e seu filho Luis

Depois, coube ao seu Oscar levar à diretoria da Caldense a proposta de nosso vizinho, seu Ferreira, gerente do Banco de Crédito Real, de organizar os Jogos Abertos de Poços de Caldas.

No lançamento dos jogos, conseguiu o feito de trazer para desfilar a gloriosa Banda dos Fuzileiros Navais do Rio de Janeiro. Quem facilitou foi Tancredo Neves, então ocupando uma diretoria do Banco do Brasil. Na hora de devolver a banda para o Rio, Tancredo sumiu.

A saída foi ligar para a prefeitura de São José do Rio Pardo e oferecer a banda para um desfile. A contrapartida seria bancar a volta da banda para o Rio de Janeiro.

Em duas oportunidades frequentei os esportes da Caldense. A primeira, aos 10 anos. Em frente de casa havia o Largo de São Benedito, meio reclinado, com cascalho, onde jogávamos bola – inclusive com vários conguinhos de São Benedito que moravam nas vilas acima.

O campo era liso como sabão. Eu tinha um razoável toque de bola mas, acima de tudo, aprendi a me equilibrar nos cascalhos. Conseguia dar chapéus, dribles nos adversário, a ponto de chamar a atenção do Orozimbo, técnico dos marins da Caldense. Fui convocado para um teste.

No dia marcado, o morro inteiro foi atrás para prestigiar seu craque. Começa o jogo, recebi um passe, uma bola imensa, um campo gramado, liso. Não consegui nem tirar a bola do lugar, para desencanto dos meus amigos do São Benedito.

Voltei a frequentar a Caldense com 16 anos. No meio do ano, interrompi meu curso de Científico em São João da Boa Vista (os Maristas tinham fechado o científico e fomos obrigados a estudar na cidade vizinha) para mudar para o Clássico. Passei seis meses aprimorando o piano, o violão, as composições, o jogo de xadrez e, especialmente, o tênis de mesa. Ia diariamente para a Caldense com meu amigo Amilcar Caselli, o Netinho, para treinar tênis de mesa.

Montamos um trio – eu, Netinho e, se não me engano, Flávio Pereira – e passamos a correr o interior atrás de adversários. Fomos jogar em Pinhal, Mogi Guaçu. Tive a honra de vencer Alaor, de Itajubá, que posteriormente se tornou presidente da Associação Brasileira de Tênis de Mesa. Mas não conseguíamos espaço para representar a Caldense.

O diretor de tênis de mesa era o Veldo “Radinho” Valim, que trabalhava na Coletoria e não largasse um radinho de pilha. E não abria espaço para os novos jogadores. Todo ano, nos Jogos Abertos do Interior, a seleção da Caldense era formada por Rui Buono, Romeu Delaroli e Armando Viotti – os dois últimos estudando fora.

Na época, consegui um estágio no Diário de Poços e coloquei uma nota reclamando do cartel do tênis de mesa. A diretoria acolheu a crítica e abriu eliminatórias. Consegui me classificar entre os três primeiros, inclusive vencendo o Romeu, que tinha uma técnica única de se afastar da mesa e ir rebatendo, com efeito, as cortadas do adversário até que este errasse.

Em represália pela entrada dos novatos, Rui e Armandinho desistiram, e a Caldense foi representada por mim, Netinho e Olavo Severino.

Os Jogos Abertos do interior foram em Ribeirão Preto. Passamos bonito pela seleção de Sertãozinho, mas fomos inapelavelmente vencidos pelos jogadores mais experientes de Mogi Guaçu.

Cheguei a disputar um Campeonato Mineiro, mas não passei das primeiras rodadas.

Nosso ídolo, na época, era Paulo Eugênio Vivaldi, filho do construtor do Quisisana (e da Cinelândia do Rio). Paulo tinha problemas físicos, mal se movia na mesa, mas se defendia com o que chamávamos de “nheco-nheco” – na verdade, a jogada conhecida como “spin block”, ou bloqueio com efeito. Chegou a vice-campeão no Rio de Janeiro e terminou campeão do Mineiro.

Quando cheguei em São Paulo, tentei retomar a carreira. Conheci Pedrinho da Banca, um filho de iuguslavo que tinha uma banca no Viaduto Maria Paula, pertencia à seleção paulista de veteranos e era amigo do Biriba (a grande glória nacional do esporte) e do seu pai.

Ele me levou para conhecer o velho Biriba, dono de uma revendedora de frangos na Vila Maria. Lá, comentei de Paulo Eugênio – que, certa vez, levou Biriba para uma temporada no Quisisana. O seu Biribão disse que Paulo Eugenio era muito boa gente. Mas era também um grande jogador, né? Biribão discorda. Argumentei que não dava para comparar com Biribinha. E o Biribão: eu também ganhava dele.

Foi quando desisti do tênis de mesa.

A Caldense era uma família. Tanto que recebi um baile em minha homenagem e da Suzana, minha ex-colega de primário. A Suzana, merecidamente, por ter sido convocada para a Seleção Mineira. Mas eu por ter vencido o Festival de Música de São João da Boa Vista – na verdade, tirei 1o, 2o, 4o, 5o e 7o lugar. Como eram cidades rivais, a Caldense houve por bem homenagear seu vingador.

Na época, seu Sebastião Menelau me contou da vez em que foi com meu pai a um jogo da Caldense contra a Esportiva de São João, e quase apanharam. Os sanjoanenses chegaram a colocar toras de madeira nos trilhos da Mogiana para parar o trem e bater nos torcedores da Caldense.

Seu Oscar não foi ao baile. Jamais lhe perguntei a razão de não ter ido. Mas, por alguma razão, em algum momento se indispôs com a Caldense.

Minha última visita à Caldense foi quando homenagearam meu pai, dando seu nome à Biblioteca do clube.

Naquele dia, estava em Porto Alegre, em uma palestra. Peguei o avião, a família me esperou no Aeroporto, seguimos para a cidade e para o baile em homenagem ao velho.

Chegamos em cima da hora. Na porta, nos aguardando, nossos amigos de estimação da noite poçoscaldense, a Goga, o Fernandinho, a Tita, que jamais admitiriam comparecer a um ambiente “burguês”.

Seu Oscar mereceu sua consideração.

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Last Update: 01/02/2025