Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, há um consenso entre os principais partidos políticos da Alemanha de que a extrema direita jamais deva ser permitida no governo novamente. Chamado de “cordão sanitário”, esse conceito também se estendeu à colaboração aberta de qualquer nível com os partidos políticos ultradireitistas.

Nesta quarta-feira 29, no entanto, o conservador União Democrata Cristã (CDU) violou o “cordão sanitário” contra a legenda ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). O líder da CDU e candidato a chanceler nas eleições gerais de fevereiro, Friedrich Merz, apresentou ao Bundestag (Parlamento) uma moção propondo uma rigorosa reforma nas políticas migratórias do país.

Em entrevista à emissora pública ARD, o chanceler federal alemão, o social-democrata Olaf Scholz, acusou Merz de enterrar um consenso de décadas no país “de que não haveria cooperação entre partidos democráticos e a extrema direita”. O “cordão sanitário” caiu, afirmou o chanceler.

Desde novembro, Scholz lidera um governo minoritário com os Verdes após o Partido Liberal Democrático (FDP) se retirar da coalizão governista em meio a uma disputa orçamentária.

O colapso do governo levou à antecipação das eleições gerais na Alemanha, marcadas agora para 23 de fevereiro – antes, seriam apenas em setembro. A CDU e sua legenda coirmã na Baviera, a CSU, lideram amplamente as pesquisas de intenção de voto, com cerca de 30% da preferência dos eleitores.

Os conservadores fizeram da reforma migratória uma pedra angular de sua campanha após dois ataques com mortes no país, em que os supostos agressores eram requerentes de asilo rejeitados que estariam na lista das autoridades para serem deportados.

Para esse fim, Merz apresentou na quarta-feira sua proposta de fazer uma revolução na política alemã de asilo. A AfD deixou claro que apoiaria a medida, e a líder do partido, Alice Weidel, escreveu na plataforma X antes da votação que sua legenda havia coordenado com a CDU em torno da moção.

Antes da votação, Merz disse repetidamente que não se importava com quem apoiasse sua resolução, desde que ela fosse aprovada – o que aconteceu com votos da CDU, da AfD e de alguns membros do FDP. Mais tarde, o líder da CDU disse lamentar muito que a maioria somente pudesse ser obtida com a soma dos votos da AfD.
Merz jurou não cooperar com a AfD

Em 2018, a CDU tornou o “cordão sanitário” contra a AfD uma política oficial do partido, ao adotar o que chama de “resolução de incompatibilidade” que afirma categoricamente: “A CDU na Alemanha rejeita coalizões e formas semelhantes de cooperação com os partidos A Esquerda e Alternativa para a Alemanha”.

Imediatamente após o colapso da coalizão de Scholz, Merz reafirmou essa política ao dizer que não apresentaria nenhum projeto de lei no qual a AfD pudesse desempenhar o papel de fiel da balança antes das eleições.

A moção desta quarta-feira não era um projeto de lei juridicamente vinculativo, mas sim uma “moção de resolução” que visa expressar a vontade do Parlamento. O governo não é obrigado a acatá-la.

Uma emenda formal à lei de imigração foi debatida no Bundestag nesta sexta-feira 31, mas acabou rejeitada por uma margem estreita de votos – apesar do apoio da AfD, desta vez Merz encontrou resistência até mesmo entre seus próprios colegas de partido.

‘Cordão’ apenas em nível nacional?

Apesar das afirmações de que há um “cordão sanitário” contra a AfD, cientistas políticos apontam que quase todos os partidos da Alemanha – principalmente a CDU – já trabalharam abertamente com a ultradireita em Parlamentos estaduais e em nível local. Por exemplo, uma proibição altamente controversa do hijab, o véu islâmico, em escolas primárias, em um distrito de Berlim, foi possível graças a uma cooperação entre AfD e CDU.

Recentemente, os pesquisadores Anika Taschke e Steven Hummel publicaram uma lista de 120 incidentes em que outros partidos colaboraram abertamente com a AfD entre 2019 e 2023.

Em entrevista à ARD após a votação desta quarta-feira, Merz rejeitou alegações da AfD de que seu partido havia cortejado sua opinião. Ele negou cooperar com a ultradireita, dizendo que a CDU havia apresentado sua própria política, com a qual a AfD simplesmente concordou.

“O ‘cordão sanitário’ é a imagem errada”, disse Merz, assegurando que quer evitar “uma conflagração em toda a Alemanha” e que a maioria dos alemães aprova leis de imigração mais rígidas.

Merkel critica Merz

A ex-chanceler federal alemã Angela Merkel, também da CDU, que raramente comenta sobre eventos atuais desde que se aposentou da política em 2021, emitiu um comunicado nesta quinta-feira expressando sua desaprovação das ações de Merz.

Na nota, ela escreveu que Merz lhe garantiu em novembro que não trabalharia com partidos considerados de extrema esquerda e extrema direita. E que ele estava “errado” em quebrar sua promessa.

O público alemão está profundamente dividido sobre a colaboração dos partidos tradicionais do país com a AfD. Segundo uma pesquisa publicada nesta quinta-feira pela emissora pública ZDF, cerca de 47% dos eleitores alemães disseram não ver problemas no comportamento da CDU, enquanto outros 47% se disseram preocupados. Ao mesmo tempo, 71% dos eleitores disseram concordar com a afirmação de que a AfD é uma ameaça à democracia.

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Last Update: 31/01/2025