Ontem as taxas de juros caíram quase 50 pontos, o dólar caiu e as ações subiram. É um fenômeno que salienta ainda mais a extrema volatilidade das estimativas do mercado, da extrema volatilidade das opiniões e da influência dos comunicados do Banco Central.
Primeiro, entenda o vocabulário do mercado.
Guidance – é o rumo que o BC está apontando para a política monetária.
Dovish – quando a perspectiva é branda.
Hawkish – quando a perspectiva é de acirramento dos juros.
Quando foi divulgado o comunicado do Copom (Comitê de Política Monetária), o mercado leu como “hawkish”. Como já tinham fechado as operações, esperava-se um aumento nas taxas no dia seguinte. Nesse ínterim, os investidores externos interpretaram como “dovish”.
A partir da abertura, o mercado estava “dovish”.
O que levou a esse jogo de interpretações é uma ciência à altura da “pedra da Roseta” ou dos hieróglifos egípcios. Na segunda interpretação, o mercado constatou que, no comunicado divulgado, falava-se mais nos efeitos da atividade econômica que nos riscos da inflação. Logo… logo… o ritmo de alta da taxa Selic seria reduzido.
A partir daí, começa o jogo. Investidores que compraram títulos de renda variável começaram a se desfazer dos contratos e adquirir títulos de renda fixa. Caíram as taxas de curto prazo e a chamada curva de juros. Usando a terminologia do mercado, “está acontecendo um movimento relevante de ‘stops’ de posições tomadas em juros”, diz Victor Scalet, estrategista macro da XP Investimentos.
Contribuiu para tanto o anúncio de que o governo atingiu as metas de resultado fiscal primário do ano passado e o Caged (que registra empregos formais) ter gerado menos empregos que o previsto. E a carraspana de Lula à repórter que falou em explosão dos gastos – aliás, a mesma repórter que, em 2019, espantou os colegas presenteando Jair Bolsonaro com uma bíblia.
Ajudou também o discurso de Lula, em defesa do Ministro da Fazenda Fernando Haddad e do presidente do Banco Central Gabriel Galípolo.
Galípolo se saiu bem em sua estreia. Mas seu sucesso, também, deixou dúvidas no ar.
O primeiro fato é o poder da interpretação das palavras do BC. Agora, toma-se o cuidado do BC se comunicar apenas depois de decisões tomadas, e por escrito. Roberto Campos Neto não obedeceu os rituais. A reversão do otimismo do mercado começou com declarações suas, em eventos públicos nos Estados Unidos, mostrando preocupações em relação à questão fiscal. Logo depois, a expressão “gastança”, “explosão da dívida” passaram a frequentar o vocabulário do jornalismo financeiro, acirrando as expectativas com manchetes escandalosas e editoriais radicalizando a situação.
A resposta de Lula à provocação da repórter – aconselhando-a a estudar mais – provavelmente terá efeito didático sobre o efeito-papagaio que periodicamente sacode a mídia.
O comunicado do Copom foi o primeiro movimento cuidadoso de Galipolo para desarmar as bombas-relógios deixadas por Paulo Guedes e Roberto Campos. Mas ainda há um grande desafio pela frente.
Além do terrorrismo com o fiscal, o mercado-mídia faz outro terrorismo com a inflação. Agora, transformaram a inflação de serviços no grande fantasma nacional. É curiosa essa estatística. Há um enriquecimento óbvio dos extratos superiores de renda – justamente aqueles que mais consomem serviços -, e um aumento da inadimplência dos extratos inferiores. Os índices provavelmente captam o aumento da demanda dos ricos e muito ricos. Os serviços têm baixíssimo impacto na inflação. Serve apenas para medir o comportamento da renda dos consumidores.
Agora a questão é analisar daqui para frente.
A entrevista coletiva de Lula marca uma nova etapa na comunicação do governo. Seus elogios a Haddad e Galipolo reforçam a posição de ambos. A possível ida da presidente do PT, Gleise Hofmann, a um cargo ministerial, mata dois coelhos com uma só cajadada: significa uma aproximação com a esquerda do partido e, ao mesmo tempo, cala uma das vozes mais críticas à política monetária.
O grande problema é o fantasma de todos os modelos econômicos: o fator tempo. Se tudo correr bem, o país chegará a 2026 com a Selic ainda em dois dígitos. E em um quadro em que as recuperações judiciais estão entrando em nova etapa – especialmente entre os grandes varejistas – e a inadimplência aumentará, com o aumento da Selic.
O grande desafio será desarmar as bombas do mercado, com medidas macroprudenciais, redução da influência da pesquisa Focus e um trabalho efetivo para reduzir o controle da Faria Lima sobre o mercado de títulos públicos.
Está na hora dos bravos técnicos da Secretaria do Tesouro e do Banco Central se debruçarem sobre as experiências internacionais bem sucedidas, para modernizar a política monetária e a dívida pública.
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