Imagens dos incêndios na Califórnia nos deixaram consternados, assim como as da catástrofe no Rio Grande do Sul. Mais que prejuízos materiais imensos perdem-se vidas, sonhos e esperanças. Reconstruir é um desafio. Nem sempre é possível contar com os recursos de um país rico, como os EUA, ou com a ajuda que o governo Lula deu ao povo gaúcho, com forte envolvimento e solidariedade da sociedade brasileira.

Crises humanitárias cada vez mais intensas e prolongadas exigem medidas urgentes para proteger as populações vulneráveis. Neste ano, 305 milhões de pessoas necessitarão de assistência humanitária em decorrência de emergências climáticas, conflitos armados e surtos de doenças infecciosas que exaurem a capacidade dos sistemas locais de saúde.

Estão em curso 42 emergências de saúde, incluindo 17 crises de grau máximo, que exigem o nível mais alto de resposta. Do controle de surtos de cólera a saúde mental em zonas de conflito, o trabalho da Organização Mundial da Saúde vai muito além de assistência médica individual. Por esse motivo, a entidade lançou o Apelo de Emergência Sanitária, buscando apoio de doadores e parceiros para rea­lizar intervenções de saúde e salvar vidas. Será necessário ao menos 1,5 bilhão de dólares para financiar as ações.

Dias depois, repetindo o que já havia tentado em 2020, durante o seu primeiro governo, quando acusou a OMS de má gestão da pandemia e excessiva influência chinesa, Trump anunciou, em um de seus primeiros atos, que os EUA sairão da OMS e deixarão de participar do cofinanciamento voluntário da entidade, da ordem de 550 milhões de dólares.

Essa decisão é gravíssima. Primeiro, porque desfinancia ações da OMS que não serão imediatamente compensadas por novas contribuição de outros Estados membros ou parceiros. Isto, inevitavelmente, comprometerá de forma severa as respostas integradas entre os países, necessárias para o enfrentamento de emergências sanitárias e o controle de doenças infecciosas, como Aids, cólera, tuberculose, malária e doenças preveníveis por vacinas, como a poliomielite. Sofrerão, sobretudo, os países pobres, onde vivem as populações mais vulneráveis do planeta.

Segundo, porque o alcance das medidas anunciadas inclui a retirada de funcionários e o abandono dos EUA das negociações sobre controle de epidemias e da revisão, em curso, do Regulamento Sanitário Internacional.

Há ainda um terceiro aspecto que precisa ser considerado. Na lógica axiomática da lei de ação e reação, os ­norte-americanos serão profundamente afetados em sua capacidade de implementar ações de prevenção e resposta às emergências sanitárias. O país deixará de receber informações sobre o que está acontecendo no mundo em termos de Saúde Global, circulação de novos vírus, ocorrências de surtos e epidemias e medidas de controle sanitário que são de fundamental interesse para o próprio país. As medidas afetam, também, pesquisas inovadoras, que cientistas dos EUA realizam em parceria com colegas de outros países para desenvolver novas vacinas e medicamentos para o tratamento do câncer e outras enfermidades.

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA também ordenou às agências federais de saúde, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças e os Institutos Nacionais de Saúde, que pausem comunicações externas, como divulgação de relatórios científicos, atualizações de sites, avisos de saúde e comunicações sobre epidemias, a exemplo do surto de gripe aviária H5N1. Bases de dados públicas e acessíveis não estão mais disponíveis. Documentos terão de ser previamente revisados por um agente nomeado pelo presidente. Funcionários não podem falar em público ou emitir correspondência oficial sem aprovação.

Se juntos já foi difícil enfrentar a pandemia de Covid, inevitável admitir que nenhum país sozinho será capaz de dar respostas às emergências sanitárias de caráter internacional que vêm por aí. E todos perdemos com isso, inclusive os norte-americanos. Trump e a imensa massa de estúpidos negacionistas que o embalam, nos EUA e em outros países, inclusive na direita lambe-botas brasileira, parecem nada ter aprendido com a pandemia de Covid–19. Assim como não há saúde sem desenvolvimento econômico e distribuição de riqueza, não há desenvolvimento sem segurança sanitária.

O lema de Trump é “Make America Great Again”. Mas o que o mundo precisa é de “uma só saúde” ou “One Health”. Resta-nos acompanhar as cenas dos próximos capítulos. Quem precisa mesmo de quem, Mr. Trump? •

Publicado na edição n° 1347 de CartaCapital, em 05 de fevereiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Quem precisa de quem?’

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Last Update: 30/01/2025