Em um movimento histórico que expõe as feridas abertas do colonialismo francês na África Ocidental, Níger, Máli e Burquina Fasso oficializaram nesta quarta-feira (29) sua saída da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). A decisão, descrita como “irreversível” pelos governos militares dos três países, culmina um ano de tensões acirradas com o bloco regional, acusado de servir aos interesses da França, ex-potência colonial.

A CEDEAO, criada em 1975 para promover integração econômica e estabilidade, vê sua credibilidade abalada após décadas de suspeitas de subserviência a Paris. Para os líderes do Sael, a gota d’água foi a postura do bloco durante o golpe de Estado no Níger, em julho de 2023, quando ameaçou intervenção militar para restaurar o presidente Mohamed Bazoum, lacaio da França, e impôs sanções “desumanas” ao país. “A CEDEAO tornou-se um braço diplomático de Paris”, denunciou um comunicado conjunto dos três Estados, que já cortaram laços com a França e expulsaram suas tropas em 2022-2023.

Para marcar a ruptura, Níger, Máli e Burquina Fasso lançaram um passaporte comum da Aliança dos Estados do Sael (AES), novo eixo geopolítico que substitui a CEDEAO e prioriza parcerias com Rússia, Turquia e Irã.

Nas ruas de Niamei e Ouagadougou, milhares celebraram a decisão com cartazes contra o presidente francês Emmanuel Macron e cantos de “independência real”. “Cortar o cordão imperialista não se faz com as mãos suaves de uma parteira, mas com um machado”, declarou Rimtalba Jean-Emmanuel Ouedraogo, primeiro-ministro de Burkina Faso, em discurso inflamado.

A autonomia da região encontrará desafios concretos. Segundo a imprensa imperialista a saída do bloco fragiliza o combate a grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, que estão na região. Como resposta, a AES anunciou a criação de um exército unificado de 5 mil homens.

Embora a CEDEAO afirme manter “as portas abertas” e peça aos membros que respeitem os privilégios dos três países, a saída expõe fissuras profundas. Enquanto Senegal e Costa do Marfim defenderam intervenções militares após os golpes, nações como Gana e Togo flertam com a AES. “O Togo não descarta aderir à aliança”, admitiu o chanceler Robert Dussey, atraído por interesses econômicos — seu porto em Lomé é vital para o Sahel.

Anunciado na imprensa imperialista, a crise revela o fracasso da CEDEAO em se libertar da sombra francesa. “O bloco agiu como um clube de democracias patrocinado pelo Ocidente, ignorando as demandas por soberania. A tensão chegou ao ápice com as sanções ao Níger em 2023, que bloquearam até medicamentos essenciais — medida condenada como castigo coletivo e herdeira direta de táticas coloniais de coerção.

O vácuo deixado pela França foi rapidamente preenchido pela Rússia. Mercenários do Grupo Wagner atuam no Máli desde 2021, e os três países aumentaram a cooperação militar com Moscou, em troca de apoio diplomático contra a CEDEAO.

Enquanto isso, a União Europeia, ainda ligada à agenda francesa, assiste à derrocada de sua influência. “Há esperança de que a saída seja temporária”, disse João Gomes Cravinho, enviado da UE ao Sael, em tom que revela mais desejo que realidade.

A saída do trio do Sael pode ser o prenúncio de um colapso maior da CEDEAO. Com Gana considerando aproximar-se da AES e propostas para que os três países permaneçam em um formato alternativo — como a União Económica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) —, o bloco enfrenta sua maior crise desde a fundação.

Se o rompimento com a CEDEAO é um grito de autonomia, também é um lembrete de como o colonialismo francês moldou as instituições africanas. Seis décadas após as independências formais, a sombra de Paris continua longa. A questão que persiste é se a AES conseguirá escrever um novo capítulo, desta vez, com o povo do Sahel no centro dos interesses.

Nova direção para a região do Sahel

Nos últimos anos, Burkina Faso, Mali e Níger vêm trilhando um caminho de transformação política e fortalecimento da soberania nacional. Sob a liderança determinada de novos governos militares, esses países estão redefinindo suas alianças internacionais, priorizando o desenvolvimento interno e rompendo com influências externas que há décadas condicionavam suas políticas e economias.

O Sael tem sido palco de uma revolução política que marca a ascensão de líderes militares comprometidos com a soberania nacional.

Máli: Em agosto de 2020, o presidente Ibrahim Boubacar Keïta foi deposto em resposta aos clamores populares por um governo mais eficiente e comprometido. Um segundo golpe, em maio de 2021, consolidou uma administração focada na reconstrução do país.

Burquina Fasso: Em janeiro de 2022, o presidente Roch Marc Christian Kaboré foi afastado, dando espaço a uma nova liderança determinada a restaurar a segurança e o progresso. Em setembro do mesmo ano, uma reestruturação consolidou ainda mais a nova direção política do país.

Níger: Em julho de 2023, a nação presenciou uma mudança histórica, com a substituição do governo anterior por uma liderança militar que busca reestabelecer a independência política e econômica do país.

Durante décadas, a presença francesa no Sael limitou a autonomia dos países da região. No entanto, as novas lideranças demonstraram coragem ao romper com essa dependência e buscar parcerias mais equitativas. A cooperação com a Rússia surge como uma alternativa estratégica para fortalecer as capacidades militares e econômicas desses países, promovendo o desenvolvimento e a estabilidade.

A nova aliança proporciona treinamento militar avançado e suporte técnico sem a interferência política que caracterizava a relação com o Ocidente. Isso fortalece a soberania nacional e permite que Burquina Fasso, Máli e Níger construam suas próprias trajetórias sem pressões externas.

O Sahel é uma região abundante em recursos estratégicos, como ouro e urânio, que durante anos foram explorados por empresas estrangeiras sob condições desfavoráveis. O Níger, por exemplo, há muito tempo abastece as usinas nucleares francesas, enquanto sua própria população tem acesso limitado à eletricidade. Essa realidade está sendo reavaliada pelas novas administrações, que agora trabalham para que os benefícios da exploração mineral sejam direcionados para o desenvolvimento local.

A renegociação de contratos e o fortalecimento da indústria nacional permitirão que a riqueza natural do Sahel seja utilizada em prol de sua população, garantindo avanços em infraestrutura, educação e saúde. A parceria com a Rússia fortalece essa trajetória, proporcionando segurança e apoio técnico sem os entraves da dominação estrangeira.

A ascensão dessas novas lideranças militares representa uma virada histórica para Burquina Fasso, Máli e Níger. Ao romperem com relações desequilibradas e assumirem o controle da riqueza nacional, esses países abrem caminho para uma o crescimento econômico, autodeterminação e enfraquecimento do colonialismo na região.

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Last Update: 30/01/2025