Mais de 300 indígenas de 20 povos, além de lideranças quilombolas e de movimentos sociais e populares, seguem ocupando a Secretaria Estadual de Educação do Pará (SEDUC) pela revogação da Lei 10.820/2024 e a exoneração do secretário de Educação Rossieli Soares.
A lei modifica o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME), que atende quilombolas e ribeirinhos, o Sistema de Educação Modular Indígena (SOMEI), revoga todo arcabouço normativo da educação escolar indígena no estado e acaba com o regime presencial nas escolas indígenas, tornando todas as aulas virtuais. Também libera aulas a distância para quilombolas e comunidades do campo.
A ocupação da Seduc pelos indígenas teve início no dia 14. Somente na última terça-feira, dia 28, aconteceu a primeira reunião direta com o governador, porém, não houve acordo. Segundo relatos dos indígenas, Helder Barbalho sequer cogitou pensar na revogação da Lei 10.820/2024, principal reivindicação dos indígenas.
“Não teve acordo. Tentamos negociar de todo o jeito. Ele já lançou a contraproposta. Nossa proposta segue a mesma, que era a saída do secretário Rossieli Soares. Ele não quis aceitar a proposta. A revogação da lei ele também não quis. Ele ficou se esquivando, não quis dialogar com nós para tratar a pauta. Então resolvemos sair sem acordo”, disse o cacique Dadá Borari, em vídeo divulgado após a reunião. A contraproposta seria manter a lei e alterar, por decreto, apenas o que diz respeito aos povos indígenas.
A reunião com o governador aconteceu após uma forte pressão dos indígenas sobre o governo Lula e à ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (PSOL), que foi obrigada a ir à ocupação na última segunda-feira, dia 27. “É necessário que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Lula falem com o amigo dele, Helder, para vir com nossa ministra Sonia. O MPI está aqui desde a semana passada e, até agora, não conseguiu fazer nada”, disse a liderança Auricélia Arapiun, em vídeo divulgado nas redes sociais.
Após a pressão, Sônia Guajajara viajou a Belém, conseguiu articular a reunião com o governador, contudo, a ministra segue sendo questionada, pois não apresenta um posicionamento firme pela revogação da lei e não se enfrenta com o governador, aliado do governo Lula.
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Criminalização do movimento
Desde o início da ocupação da Seduc, a resposta de Helder Barbalho tem sido a criminalização do movimento e divulgação de mentiras na imprensa. Método que ele aprendeu desde cedo com pai, o coronelista político Jader Barbalho, também amigo do Lula e do PT.
Quando ocorreu a ocupação, a Polícia Militar (PM) foi enviada, jogaram spray de pimenta nos banheiros, impediram a entrada da imprensa e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e cortaram a água e a luz da secretaria. Por outro lado, teve início uma onda de apoio e solidariedade de professores, sindicatos, organizações políticas e os movimentos populares.
O rei do norte, como o governador é conhecido, comandou toda a repressão direto de Davos, na Suíça, onde participava do Fórum dos bilionários capitalistas mundiais negociando o destino da floresta amazônica, que em 2024 teve 6 milhões de hectares devastados pelo fogo, na esperança de uma COP 30 representativa.
Helder Barbalho, o neocolonizador
Sua atitude violenta para com os povos originários que ele diz proteger, está recebendo críticas de lideranças e intelectuais indígenas do Brasil inteiro. A fala do filósofo e escritor Daniel Munduruku é a que melhor sintetiza a política de Helder Barbalho, quando diz que “o governador do Pará está querendo ressuscitar uma política integracionista que já foi totalmente superada, está trazendo à tona seu viés colonialista típico dos coronéis do poder de tempos atrás, o qual sua família representa … se ele não quer passar para a história como mais um bandeirante matador dos povos originários, ele precisará se retratar fazendo logo a revogação da lei 10.820/2024 e a demissão de Rossieli”.
No entanto, Helder só tem aprofundado essa postura, utilizando a mesma arma dos primeiros que aqui pisaram: dividir o movimento e os povos (parentes, como eles se tratam), para enfraquecer a luta e impor seu retrocesso. Utilizando-se da Secretaria dos Povos indígenas, comandada por Puyr Tembé, e da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), que infelizmente fazem o jogo do governo, tentam passar um projeto específico de educação indígena, uma manobra para não revogar a lei, que é um ataque global à educação paraense, e por outro lado derrotar o acampamento.
Uma liderança da ocupação demonstra bastante clareza sobre essa política e pontuou em um vídeo que circulou nas redes sociais e na imprensa: “os povos indígenas, a diversidade que está aqui, é os povos que não fazem parte do bolo da organização que tá aparelhada ao governo. A gente não quer fazer parte do bolo, não. A gente recusa comer esse bolo, porque esse bolo ele é infectado por uma ideologia de divisão de povo, divisão de dinheiro, divisão de interesses. É um bolo que as fatias já tá definida, vamos dizer, eu te dou esse pedaço de bolo aqui, mas eu quero em troca a cabeça de lideranças, eu quero em troca o silêncio na hora que eu pedir uma concessão florestal de uma unidade de conservação que está sendo posta em território indígena.”
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Apoiar e fortalecer a ocupação
O PSTU está ao lado dos povos indígenas. Junto com a CSP-Conlutas estamos no dia a dia da ocupação na Seduc e realizando campanha solidária para arrecadar recursos para ajudar na manutenção da ocupação.
É dever de todos aquelas e aqueles que levantam a bandeira da defesa dos povos originários e da educação pública se posicionarem ao lado dos indígenas e dos trabalhadores da rede estadual de educação que estão greve contra esse ataque brutal de Helder Barbalho.
Nos últimos dias, a indígena Künã Yporã, também conhecida como Raquel Tremembé, do Povo Tremembé de Engenho, no Maranhão, militante do PSTU e integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, esteve presente na Seduc para levar o apoio e solidariedade à ocupação e à greve de professores em curso.
Na ocasião, a CSP-Conlutas doou alimentos aos acampados e realiza neste momento uma campanha financeira para arrecadar colchonetes e garantir novos ônibus de reforço à ocupação.
O que se passa em Belém, sede da COP 30, é a queda de braço entre os povos originários em sua resistência histórica, e o julgo do opressor que hoje não consegue manter sua pose de estadista defensor da floresta e seu povo.
Há quase dois séculos a nação Mura, ao lado dos mesmos quilombolas e o povo pobre combateu o poder imperial até seu último homem na mais radical e sangrenta revolução no coração da Amazônia, a Cabanagem, apenas com seus arcos e flechas.
A luta de hoje nos renova a certeza de que é preciso transformá-la em uma luta de libertação, uma luta revolucionária, pois só assim a vitória será permanente. Afinal, toda revolução é impossível, até que se torne inevitável.