Por Reynaldo Aragon Gonçalves
O projeto de escaneamento de íris da OpenAI, promovido sob o “Worldcoin”, exemplifica os desafios profundos da era tecnológica. Apresentado como uma solução inovadora para identidade digital e inclusão financeira, ele suscita críticas por suas implicações éticas, políticas e sociais. Sob o pretexto de progresso, esconde-se um mecanismo de coleta massiva de dados biométricos sensíveis, centralizando poder e colocando a soberania informacional das nações em xeque. Esse cenário ilustra uma nova fase do tecnofeudalismo, em que big techs, particularmente norte-americanas, exercem controle sobre a vida social, econômica e política. O Brasil reagiu de forma soberana, proibindo a coleta e comercialização de dados de íris. Essa decisão marca um precedente importante na proteção da privacidade e segurança, mas é apenas o início. Valorizar a universidade pública como centro de desenvolvimento tecnológico é essencial para fortalecer a autonomia nacional e criar alternativas alinhadas aos interesses brasileiros.
Historicamente, avanços tecnológicos foram usados para consolidar poder e ampliar sistemas de vigilância. O reconhecimento facial em países como Israel, EUA, China, entre muitos outros, incluindo o Brasil, é exemplo disso, transformando cidades em panópticos digitais, punindo comportamentos em tese inadequados. Em Gaza, tecnologias desenvolvidas com o apoio de Amazon e Alphabet permitem monitoramento massivo, reforçando um regime de apartheid digital. A proposta de identidade digital da OpenAI insere-se nessa dinâmica, criando riscos de rastreamento e manipulação em escala global. Além disso, essas ferramentas têm sido integradas às guerras híbridas, onde a manipulação de narrativas e o controle informacional são usados para desestabilizar democracias. No Brasil, a disseminação de desinformação por redes digitais é um exemplo claro dos impactos dessas tecnologias.
A vigilância constante também afeta a saúde mental. O sentimento de estar sob monitoramento gera paranoia e conformismo, enfraquecendo o debate público e alienando indivíduos. O uso de algoritmos para manipular informações em redes sociais intensifica tensões sociais e promove polarização, desestimulando a participação cidadã. Esses impactos destacam a urgência de regulações robustas que protejam indivíduos e fortaleçam a democracia. O projeto da OpenAI reflete a lógica do tecnofeudalismo, em que big techs acumulam dados e poder. Essa dinâmica conecta-se ao ultraliberalismo promovido pelo Vale do Silício, onde corporações substituem o papel do Estado. Figuras como Peter Thiel, apoiador do trumpismo, ilustram como essas ideias perpetuam desigualdades e desestabilizam democracias. O projeto da OpenAI, ao propor uma identidade digital biométrica, reforça a centralização de poder em poucas mãos, ampliando o controle sobre populações vulneráveis.
As disputas tecnológicas globais envolvem EUA, China e Rússia, cada qual com estratégias distintas. Enquanto os EUA lideram através de corporações privadas, a China integra empresas ao Estado, e a Rússia foca em ciberdefesa e influência informacional. O Brasil, como parte dos BRICS, pode promover uma multipolaridade tecnológica, fortalecendo parcerias regionais e investindo em soluções locais, como fizeram a Índia com o Aadhaar e a África com a Smart Africa Alliance. A regulamentação é essencial para proteger direitos e garantir a soberania tecnológica. Iniciativas como o GDPR, na União Europeia, servem de exemplo para o Brasil, que já avançou com a LGPD, mas precisa de maior fiscalização. É urgente que o Estado atue de forma proativa, estabelecendo limites claros para o uso de dados sensíveis e investindo em inovação. A resistência ao projeto da OpenAI é um marco, mas deve ser acompanhada de ações coordenadas para fortalecer a soberania tecnológica. Valorizar a universidade pública e investir em pesquisa são passos cruciais para garantir que a tecnologia seja usada para emancipação, não para exploração. Ao liderar iniciativas globais e regionais, o Brasil pode pavimentar um futuro mais justo, equilibrado e humano.
Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista, Coordenador Executivo da Rede Conecta de inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática, é membro pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI).