O sítio Esquerda Online publicou em agosto passado (21) um artigo intitulado Ser trotskista hoje. O texto começa de maneira curiosa, citando Nahuel Moreno, que afirma que “em primeiro lugar, ser trotskista é ser crítico, inclusive do próprio trotskismo”. Na verdade, o que temos visto que esses ditos trotskistas, muito mais que críticos, agem como verdadeiros opositores de Leon Trótski.
Na sequência existe uma segunda citação, desta vez do próprio Trótski, que diz “a questão não é de, em cada nova tarefa e em cada nova viragem, procurar na tradição e descobrir lá uma resposta inexistente, mas de aproveitar toda a experiência do partido e descobrir por si uma nova solução adequada à situação e, fazendo isso, enriquecer a tradição”. Que fala justamente sobre o espírito crítico.
Para nós, o trotskismo nada mais é que uma continuação do marxismo. Portanto, em vez de procurarmos respostas inexistentes em Trótski, Lênin, etc., nos aproveitamos de sua experiência para lermos a situação atual e atuarmos sobre ela.
Com isso, a tradição é enriquecida, pois é confirmada a eficiência do materialismo dialético. Nesse sentido, em que consistiria ser crítico do próprio marxismo?
Muito mais do que uma frase retórica de Nahuel Moreno, o que vemos aí é a expressão de uma tendência. Atualmente, vemos grupos que se dizem trotskistas que parecem estar a soldo do imperialismo.
É preciso notar que no título da matéria, Ser trotskista hoje, está embutida uma certa esperteza. Pois “hoje” é diferente de “ontem”, o que serve como justificativa para as posições políticas que esses setores da esquerda vêm assumindo.
Internacionalismo transigente
Embora o olho da matéria seja “internacionalismo intransigente”, o que esse artigo do Esquerda Online propõe é o oposto.
O texto afirma que “Há nações opressoras e há nações oprimidas, metrópoles imperialistas e nações dependentes. Os internacionalistas estão sempre ao lado das segundas contra as primeiras, independentemente das justificações destas para as suas agressões – abertamente militares ou sob a forma econômica ou diplomática. Ao mesmo tempo, ao contrário da tradição ‘terceiro-mundista’ ou de certos nacionalistas de esquerda, os marxistas revolucionários não apoiam acriticamente os governos burgueses dos países oprimidos – mesmo quando os defendem das ofensivas imperialistas”. (Grifos nossos).
Os marxistas revolucionários deveriam, sim, apoiar incondicionalmente os governos burgueses de países oprimidos, pois sabem que o imperialismo retiraria um tirano do poder apenas para colocar outro pior em seu lugar. Qualquer trotskista deveria saber disso e defender essa tese.
Vamos repetir aqui o que disse Trótski em sua entrevista a Mateo Fossa em 23 de setembro de 1938, onde deixou bem clara qual deve ser a posição dos revolucionários:
“Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto, que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que lado conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra ‘democrática’. Por quê? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse, ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês. É preciso não Ter nada na cabeça para reduzir os antagonismos mundiais e os conflitos militares à luta entre o fascismo e a democracia. É preciso saber distinguir os exploradores, os escravagistas e os ladrões por trás de qualquer máscara que eles utilizem!”.
O que os “trotskistas” têm feito, com a desculpa de não poder dar um apoio “acrítico”, é fazer frente com o imperialismo, criticar de fato governos de países sob ataque do imperialismo, como na Venezuela, Nicarágua, Irã, Rússia, etc.
Ideia falsa de imperialismo
O texto afirma que “nações opressoras, imperialistas, são aquelas que acumulam capital excedente e, por essa via, superioridade militar, econômica e diplomática, que usam para subordinar e explorar as demais. O imperialismo não se confunde com um determinado estado, é antes o sistema mundial em que esta desigualdade entre estados impera”. E que “por norma, o imperialismo é ‘multipolar’. Cedo ou tarde, essa rivalidade leva a conflitos, choques e guerra entre imperialismos”.
São ideias falsas e imprecisas. O imperialismo é a junção do capital financeiro com o industrial e um estágio do capitalismo no qual um punhado de países partilhou entre si os mercados mundiais, suas riquezas e recursos.
Existe um número reduzido de países governados com mão de ferro pelos Estados Unidos que compõem o imperialismo, portanto não se pode dizer que o este não se confunda com um “determinado Estado”.
A ideia de multipolaridade também é falsa, mas é importante levantar essa tese, pois assim esses grupos que se dizem trotskistas podem livremente atacar a Rússia e a China, apesar de eles estarem sendo agredidos pelo imperialismo.
Afirmar que “a guerra é travada por ambos os campos imperialistas, [e que] um socialista não tem o direito de preferir um campo de bandidos a outro” é se posicionar do lado do imperialismo. Não estamos nas condições da I Guerra Mundial, quando países imperialistas lutavam entre si para dominarem mercados.
A Rússia promoveu sua operação militar na Ucrânia para se defender dos avanços da OTAN. A China, por sua vez, tem exportado capitais para diversos países, e isso não configura imperialismo.
Democracia x Fascismo
Outro ponto levantado na matéria é que “Trotsky foi dos poucos marxistas a estudar a fundo a rápida ascensão de Mussolini ao poder e, retirando as devidas lições, a alertar para o perigo de Hitler na Alemanha”. Essa lembrança, porém, não é desinteressada.
Boa parte da esquerda, inclusive a que se diz revolucionária, tem se juntado a “fascistas arrependidos” e tentado compor uma frente única para lutar contra o fascista maior, a encarnação do mal: Jair Messias Bolsonaro.
Na suposta luta contra o fascismo, e com o crescimento da extrema direita pelo mundo, esses esquerdistas têm apoiado nos últimos anos Joe (Genocida) Biden e Kamala Harris contra Donald Trump para a presidência dos EUA. Apoiam instituições ultrarreacionárias como o Supremo Tribunal Federal e, como se não bastasse, pedem mais censura nas redes sociais.
O que essa gente tem a ver com o trotskismo? Nada.