Um cessar-fogo na guerra em Gaza e um pacto para a libertação de reféns israelenses em troca de palestinos presos em Israel começaram às 11h15 do domingo 19 (horário local, 6h15 em Brasília). O acordo de três fases foi criado para negociar o fim permanente da guerra após 15 meses de combates que mataram quase 47 mil palestinos e levaram a Corte Internacional de Justiça a considerar denúncias de genocídio contra Israel.

Em torno de 1,2 mil israelenses foram mortos no ataque cometido pelo Hamas – organização política e militar palestina que governa a Faixa de Gaza – em 7 de outubro de 2023, e outros 250 foram feitos reféns. Cem pessoas foram libertadas em troca de 240 mulheres e crianças palestinas mantidas em prisões israe­lenses, num acordo de cessar-fogo feito em novembro de 2023, mas que desmoronou em uma semana.

O que está incluído no novo acordo?

Todos os combates devem ser interrompidos durante a primeira fase, de 42 dias. As forças israelenses devem retirar-se das cidades de Gaza para uma “zona-tampão”, os palestinos deslocados poderão voltar para casa e haverá um aumento acentua­do nas entregas de ajuda humanitária.

Na segunda etapa, de duração incerta, os reféns vivos restantes serão devolvidos e uma proporção correspondente de prisioneiros palestinos será libertada, juntamente com uma total retirada israelense da Faixa. A passagem de ­Rafah para o Egito será aberta para os doentes e feridos saírem. Não está claro se ela será devolvida ao controle palestino.

A terceira fase, que poderá durar anos, abordaria a troca de corpos de reféns mortos e membros do Hamas, e um plano de reconstrução para Gaza. Grande parte da comunidade internacional defendeu que a Autoridade Palestina semiautônoma, sediada na Cisjordânia e que perdeu o controle de Gaza para o ­Hamas em 2007, retorne à Faixa. Israel rejeitou, porém, várias vezes essa proposta.

Como funcionará a primeira fase?

Trinta e três reféns serão libertados nas próximas seis semanas, em troca de, aproximadamente, 1,7 mil palestinos mantidos em prisões israelenses. Destes, cerca de mil são de Gaza e foram presos depois de 7 de outubro de 2023, sob a legislação de emergência que permitiu a detenção sem acusação ou julgamento.

Três mulheres cativas – citadas pelo Hamas como Romi Gonen, Doron Steinbrecher e Emily Damari – serão libertadas primeiro, em troca de cerca de 95 palestinos. Alguns israelenses serão então libertados a cada domingo nas próximas seis semanas. O número de palestinos a ser libertados após o retorno dos israelenses geralmente depende de se estes forem civis ou militares. Alguns palestinos da Cisjordânia libertados, que foram condenados por crimes graves contra israelenses, serão enviados para outros países, e não autorizados a retornar para casa.

A terceira fase do plano inclui a reconstrução de Gaza, mas quem irá administrar o território palestino?

Em Gaza, os desalojados terão permissão para se movimentar livremente pelo território palestino a partir do sétimo dia, e 600 caminhões de ajuda chegarão diariamente para aliviar as terríveis condições humanitárias na Faixa. Os suprimentos para Gaza estão atualmente em uma média de 18 caminhões diariamente. Agências de ajuda dizem que são necessários, no mínimo, 500 por dia.

O que acontece depois disso?

A transição da primeira para a segunda fase do acordo, que deve envolver uma completa retirada israelense de Gaza, exceto da zona-tampão, será difícil. As negociações sobre como ela será implementada estão programadas para começar no 16o dia (4 de fevereiro).

Rafah, a passagem de fronteira da Faixa para o Egito, deve reabrir até o 42o dia. Todos os civis feridos e doentes devem ter permissão para sair, juntamente com 50 combatentes feridos por dia, e Israel deve deixar totalmente a área de Rafah até o 50o dia (9 de março).

Todos os outros detalhes permanecem indefinidos.

Por que demorou tanto para se chegar ao cessar-fogo?

O acordo não é significativamente diferente de um rascunho apresentado em maio de 2024 pelo presidente norte-americano Joe Biden, no qual o primeiro-ministro de Israel, Benjamin ­Netanyahu, foi creditado como autor, e foi aceito pelo Hamas.

Netanyahu, temendo que a implementação de um acordo fizesse os elementos de extrema-direita de sua coalizão desistirem, derrubando seu governo, mais tarde introduziu o que chamou de “linha vermelha” – Israel deverá manter uma presença permanente na fronteira entre Gaza e Egito.

As negociações fracassaram em julho e foram retomadas antes da posse de ­Donald Trump.

Qual é a probabilidade de um cessar-fogo permanente?

Como muitos detalhes das etapas 2 e 3 ainda precisam ser definidos, teme-se que haja uma grande chance de o acordo descarrilar. Quaisquer violações ­reais ou percebidas por qualquer dos lados assumirão um significado ainda maior.

O colapso do cessar-fogo de uma semana em novembro de 2023 ocorreu supostamente porque o Hamas não forneceu mais mulheres ou crianças reféns para troca. É possível que isso aconteça novamente.

Além disso, diplomatas estrangeiros questionaram o comprometimento de Israel com uma retirada e um cessar-fogo permanente, o que não alcançaria seu objetivo de guerra declarado de destruir completamente o Hamas, em meio à pressão de elementos de direita de Israel. •


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Publicado na edição n° 1346 de CartaCapital, em 29 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Futuro incerto’

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Last Update: 23/01/2025