Marcada para a primeira semana de fevereiro, a eleição para a presidência da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) pode ser o ponto de inflexão para que a direita consiga construir uma candidatura forte e capaz de fazer frente ao favoritismo de Eduardo Paes, do PSD, na disputa pelo governo estadual em 2026. Pelo menos é isso que almejam os principais nomes que integram o núcleo de poder do governador Cláudio Castro, do PL, já em segundo mandato, que deve desincompatibilizar-se em abril para tentar uma vaga no Senado. Com participação direta de Jair Bolsonaro, a articulação que deve garantir uma reeleição tranquila ao atual presidente da Casa, Rodrigo Bacellar, do União Brasil, incluiu uma inesperada reconciliação política entre Castro e o vice-governador Thiago Pampolha, do MDB, que estavam rompidos havia quase dois anos.
A jogada movimenta o tabuleiro do xadrez político fluminense e passará nas próximas semanas por convencer Pampolha a aceitar uma vaga que será aberta em maio no Tribunal de Contas do Estado. Se o emedebista concordar com a proposta de Castro e também se desincompatibilizar de seu cargo, Bacellar, como presidente da Alerj, assumiria o governo fluminense no ano que vem e concorreria ao Palácio Guanabara já instalado na cadeira, o que aumentaria consideravelmente suas chances de vitória.
Até o início de dezembro, o quadro era outro. De mal com o governador, Pampolha anunciou a intenção de disputar o cargo, o que levou Castro a anunciar que não seria candidato a nada em 2026, única forma de impedir que o adversário, agora novamente aliado, assumisse sua cadeira.
A mudança na relação entre o governador e o vice é vista como crucial para unificar a direita na disputa eleitoral do ano que vem. O tema foi discutido na semana passada, durante uma visita de Bacellar à casa de praia de Bolsonaro, em Angra dos Reis. Na saída, o deputado afirmou estar com o ex-presidente “em união, diálogo e trabalho” e ressaltou a importância da união do campo conservador: “União Brasil, PL e MDB têm muito mais a perder do que a ganhar se ficarem em lados opostos em 2026”. Bacellar, no entanto, tem dito a interlocutores não descartar a possibilidade de ele mesmo pleitear a vaga no TCE se o acordo com Pampolha não for sacramentado.
Com a indicação de um deputado do PL para a primeira vice-presidência da Alerj e de deputados do MDB para a Mesa Diretora, Bacellar construiu um acordo que lhe garante a recondução ao comando da casa: “Ele terá uma eleição amplamente majoritária porque a esquerda teve uma grande dificuldade de se unir ao centro. Aqui no Rio, ao contrário de outros estados, a extrema-direita e a direita cooptaram o centro”, diz o deputado estadual Carlos Minc, do PSB. Para o ex-ministro do Meio Ambiente, Bacellar pode tornar-se um nome forte na disputa pelo governo estadual desde que o campo conservador se una em torno dele: “Há contradições entre eles, mas estão tentando se ajeitar. O vice ficou quase um ano em conflito com o governador, mas esse campo teve vitórias na maior parte das prefeituras fluminenses, o que os estimulou a unir forças”.
Cientista político e professor da PUC Rio, Ricardo Ismael avalia que a provável reeleição na presidência da Alerj faz Bacellar despontar como um nome forte na sucessão de Castro: “Ele precisará, porém, do apoio de Bolsonaro para se tornar competitivo, o que ainda não é certo. Além disso, provavelmente enfrentará a forte candidatura de Eduardo Paes e o desgaste do governador, o que pode levá-lo a pensar em alternativas para 2026”. Para que Bacellar e Castro tenham êxito em suas respectivas empreitadas, diz Ismael, a atual avaliação negativa do governador teria de ser revertida até o início de 2026, especialmente na área de segurança pública, para viabilizar apoios políticos: “Não será uma tarefa fácil”.
O vice-governador Thiago Pampolha continua no páreo, mas talvez aceite uma vaga no TCE como prêmio de consolação
Mesmo a candidatura de Castro ao Senado não parece assegurada. Apesar das duas vagas em disputa, uma delas já está reservada ao senador Flávio Bolsonaro, que tentará a reeleição, o que faz com que o governador tenha de se contentar como segundo nome do partido. Ou mesmo ficar de fora, se prevalecer a vontade do senador Carlos Portinho, também do PL, que quer tentar a reeleição. Suplente de Arolde de Oliveira, que morreu em 2020, Portinho surpreendeu ao tornar-se um dos nomes mais atuantes da direita no Senado. “Acho que estão muito preocupados com a minha cadeira de senador e pouco em escolher o nosso candidato a governador. Enquanto isso, Paes vai ganhando espaço no interior do estado”, afirma.
Minc avalia que Paes se apresenta como um candidato difícil de ser batido: “Ele teve uma vitória retumbante no primeiro turno, faz uma gestão na prefeitura com várias forças, não só da esquerda e da centro-esquerda, mas do centro, e até alguns da direita. É um político extremamente hábil, está com o presidente Lula, mas tem bom trânsito à direita e com os evangélicos”. Os maiores desafios para Paes, diz o experiente deputado, são a Baixada Fluminense e o interior: “Tanto pelo lado político quanto pelo lado social, Paes vai tentar fazer um arco de alianças para o estado semelhante ao que fez na capital e foi amplamente vitorioso. Ele já conta com os prefeitos de Niterói, de Maricá, e alguns poucos da esquerda do PSB. Terá de avançar nisso, e imagino que vai fazer um jogo casado com o governo federal, porque Lula vai ajudá-lo na tarefa de ganhar prefeitos”.
Diretor do Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia da UFRJ, Luiz Eduardo Motta afirma que Paes conta com o apoio da esquerda devido ao avanço da extrema-direita, porém tem origem e desenvolvimento da carreira política no campo da centro-direita moderada: “Esse perfil dificultaria uma vitória da direita mais dura para o governo do estado. Mas se for um candidato plenamente de esquerda, sem uma grande articulação a seu favor, terá dificuldade no Rio de Janeiro, onde o conservadorismo tem predominado desde o ocaso do brizolismo”.
Em relação ao Senado, Motta avalia que, se não houver um candidato que congregue os vários segmentos contrários à extrema-direita, que vão desde uma centro-direita moderada até a esquerda em um sentido mais amplo, dificilmente será eleito um candidato progressista: “A possibilidade de eleição de dois nomes da direita não deve ser descartada”, adverte. Minc aposta no ex-deputado Alessandro Molon, que ficou em segundo nas eleições para o Senado em 2022, com 1,8 milhão de votos: “Molon apresenta uma característica que ultrapassa o campo da esquerda, porque tem grande penetração entre os católicos e é capaz de romper a bolha na classe média”.
Para Ismael, apesar da influência de Lula e Bolsonaro na disputa no Rio, é possível até mesmo a eleição de um nome de terceira via na eleição do Senado, que se resolve em turno único: “Existe espaço para uma candidatura que possa fugir da polarização política e ideológica existente”. •
Publicado na edição n° 1346 de CartaCapital, em 29 de janeiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Arranjo inesperado’