do Diap – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
O entusiasmo popular por Trump
por Luciano Fazio
Há quem atribua esse entusiasmo à satisfação difundida entre as camadas mais baixas da pirâmide social, que agora sentem que “podem dizer o que quiserem” sobre pessoas com deficiência, obesos, negros, imigrantes, mulheres, gays, trans e ambientalistas, sem as restrições do chamado “politicamente correto”.
Eu, contudo, não me referiria às bases da pirâmide social estadunidense — composta, em grande parte, por afro-americanos, latinos, entre outros —, mas principalmente àqueles que se encontram 1 ou até alguns degraus acima. Ainda, o entusiasmo não vem tanto da possibilidade de “dizer o que se quer”, quanto da crença de obter respostas a forte sentimento de insatisfação e abandono.
É fundamental analisar a frustração e a raiva do “homem do meio” da sociedade estadunidense – e de outras sociedades ocidentais: aquele que não é rico nem alcançou o sucesso, mas que se considera superior a quem está na base da escala social.
Esses indivíduos, no entanto, se percebem sendo alcançados ou mesmo superados por aqueles que, anteriormente, eram vistos como inferiores — mulheres, afro-americanos, imigrantes, pessoas LGBTQ+, etc. No Brasil, vimos fenômenos parecidos por parte de quem não foi contemplado pelo “Bolsa Família” e/ou pelas cotas para o ingresso nas universidades públicas.
A raiva e o desejo de revanche desse “homem do meio” produzem monstros, assim como o “sono da razão” evocado por Goya. E, desse modo, tudo se torna permitido. Para esses indivíduos não há mais espaço para a tolerância, o diálogo ou a democracia.
Prevalece a lógica de “nós” contra “eles”. Surge o desejo por líder forte, que traga a salvação ou restaure “nova época de ouro”, como afirmou Trump no dia da posse. Pouco importa se tal passado glorioso existiu de fato para esses “homens do meio”: os mitos funcionam como faróis, mesmo quando são apenas imaginários.
Como dizia Olavo de Carvalho, figura inspiradora do bolsonarismo, também para muitos apoiadores de Trump, o debate não deve ser aberto à contribuição do outro. Pelo contrário, serve para desqualificar o adversário, evitar que os “nossos” duvidem e manter viva a raiva deles.
Para isso, vale tudo, a começar pelas mentiras. Observando atentamente, é possível perceber que Trump aplica conscientemente essa mesma lógica.
Estamos diante de renascimento peculiar da política de massa. Contudo, não se trata de massa com capacidade crítica, mas de multidão enfeitiçada que não reflete, apenas obedece a líderes carismáticos — dinâmica já observada nos regimes dos países que deram origem à Segunda Guerra Mundial.
Significativamente, entre as primeiras medidas de Trump está o “expurgo” da Administração federal dos EUA de funcionários que não se alinham completamente com ele. O Estado tende a ser reduzido ao partido dele. As instituições estatais se tornam aparelhos do regime. Os amantes da democracia não podem deixar de sentir calafrios.
Assim como ocorreu em sua origem histórica, o fascismo renasce hoje a partir da pequena burguesia frustrada e raivosa. Nos Estados Unidos e na Europa contemporâneos, à pequena burguesia frequentemente se soma parcela significativa da classe operária branca.
Criticar esse fenômeno é fácil, sem dúvida. Contudo, não se pode simplesmente rotular os apoiadores entusiastas de Trump, Bolsonaro, Meloni ou Le Pen como loucos ou idiotas.
É preciso compreender o que os motiva e tratar das insatisfações que os impulsionam. Por mais difícil que seja, é fundamental encontrar caminhos para oferecer a essas pessoas perspectiva de futuro democrático e inclusivo, em que elas possam acreditar.
Luciano Fazio – Matemático pela Università degli Studi de Milão (Itália) e pós-graduado em Previdência pela FGV.
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