Por Leonardo Sakamoto
A administração Donald Trump já está produzindo listas com nomes de servidores públicos que atuaram em temas que desagradam o novo presidente para serem afastados e depois demitidos. A informação foi confirmada por quatro funcionários públicos do governo dos Estados Unidos em postos de comando. Usaram um termo bem conhecido para descrever a situação: “macarthismo”.
Eles se referem ao período de repressão política a ideias progressistas instalado nos EUA na década de 1950, que contou com caça às bruxas, patrulhamento e acusações infundadas de envolvimento com o comunismo e a União Soviética. Com isso, pessoas inocentes foram perseguidas, perderam o emprego e foram presas.
A ação do governo dos EUA não incluiria apenas aqueles em áreas como diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade, que foram colocados em licença remunerada após ordem presidencial, nesta quarta (22) – primeiro passo para a sua demissão e o fechamento desses programas. Mas também outros temas relacionados, como direitos sociais e ambientais.
A produção dessas listas vem provocando sensação de medo e angústia entre servidores.
Também foi relatado que já estão sendo implementadas mudanças para deixar a estrutura pública mais suscetível à pressão política e para reduzir as proteções dos servidores públicos pela nova gestão. Com isso, Trump não apenas busca se cercar de secretários leais a ele, mas pode mais facilmente substituir funcionários de outros escalões por seus seguidores, independentemente da competência técnica.
O processo de revisão das proteções de servidores públicos para o aparelhamento diz respeito à tomada profunda das instituições para que não apresentem resistência diante da implementação das promessas de campanha e desejos do novo governante, segundo a literatura sobre o tema na ciência política. Quando essas mudanças são profundas, deixam um legado para os governos seguintes, que vão ter que lidar com um Estado moldado pelos desejos do mandatário anterior.
Lula, quando chegou ao poder pela terceira vez, deu ordens para “desbolsonarizar” o governo, sob a justificativa de que seu antecessor havia feito uma tomada profunda. Foi acusado de também estar tentando aparelhar o Estado, mas, reservadamente, ministros afirmam ainda hoje que, nem de longe, foi possível substituir todos nomes colocadas não por competência técnica, mas por serem fiéis a Jair Bolsonaro.
Trumpização e bolsonarização de governos
Um exemplo dessa tentativa de mudança profunda, e da resistência interna que ela provoca, ocorreu no Ministério da Cultura. Márcio Tavares, secretário-executivo da pasta sob o governo Lula 3, relatou que o sentimento de servidores concursados e terceirizados após a troca de comando no governo federal foi o de fim de um assédio institucional.
Esta coluna ouviu ao longo de três semanas, após o início da gestão da ministra Margareth Menezes, servidores públicos que trabalharam na Secretaria Especial da Cultura (durante a gestão Jair Bolsonaro a área perdeu o status de ministério) e em órgãos relacionados a ela nos quatro anos anteriores para uma reportagem. Todos relataram um ambiente insalubre de trabalho com casos de assédio moral, perseguição laboral, demissões injustificadas.
A área da Cultura era vista no governo Jair Bolsonaro como um campo de batalha para reduzir a influência de liberais e progressistas e abrir espaço para uma visão ultraconservadora em costumes e comportamento. Tanto que os métodos e ensinamentos de Olavo de Carvalho, guru da extrema direita, foram compartilhados por seus gestores.
Nos corredores da secretaria, circulava a informação de que havia um index de “possíveis comunistas” entre servidores, o que gerava medo entre os trabalhadores, tal qual agora ocorre nas listas de funcionários produzidas pela gestão Donald Trump. Na época, a gestão anterior foi procurada, mas preferiu não se manifestar.
O novo presidente dos Estados Unidos e o chefe do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental, o bilionário Elon Musk (que assume com a missão de reduzir os gastos do governo) terão que se atentar, contudo, que substituição em massa de servidores pode cobrar um custo caro. Pois, pelo menos uma parte deles conhece o funcionamento da máquina pública e se eles simplesmente sumirem os processos tendem a ficar mais lentos ou até parar.
Por conta da falta de quadros para ocupar funções técnicas e devido à desconfiança com relação aos funcionários públicos que já trabalhavam na área, o governo Jair Bolsonaro tornou mais lenta a gestão da Cultura. Não raro, segundo os servidores, os cargos eram ocupados por pessoas sem qualificação para assumir determinados cargos públicos. O despreparo levava ao atropelamento de processos, à perda de prazos. “Às vezes o que parecia má fé era despreparo”, diz.
O microgerenciamento acabava encarecendo os processos. “Tudo tinha que ter anuência, mesmo coisas corriqueiras, como acessar outro departamento para buscar informações. Imagine trabalhar em uma empresa e, para pegar uma resma de papel, tem que dar mil justificativas como se fosse fazer mal a alguém”, conta um dos servidores.
Para além de ser acusada de jogar fora das quatro linhas da Constituição caso ressuscite o macarthismo, o novo governo dos EUA pode ter uma ressaca burocrática caso tente moldar a gestão pública à imagem e semelhança de Donald Trump.
Publicado na coluna do Sakamoto no Uol
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