Um Passado Ainda Presente

por Jorge Alberto Benitz

Desculpas voltar a um tema que já foi muito debatido. Mas porém no entanto entretanto todavia contudo esta história ficou me incomodando tanto que me senti na obrigação de rever o programa Roda Viva de Marcelo Rubens Paiva na reprise no primeiro sábado após a entrevista.

Ele, Tom Farias, começou sua intervenção ríspida e grosseiramente rotulando Marcelo Paiva como alguém preso ao passado. Marcelo em resposta, educadamente, fez uma longa preleção para concluir que era o passado que não deixava de estar presente, com tudo que aconteceu e continua acontecendo desde o golpe contra a Dilma. Foi uma resposta para deixar alguém com inteligência e sensibilidade, no mínimo, mais cuidadoso no perguntar dali para frente. 

O que não aconteceu. Parece que ele tinha agendado perguntas para ficar bem com a sua turma. O que não é censurável. Questionável foi, continua sendo, o teor da pergunta horrorosa que ele tascou, precedida de uma citação de Carolina de Jesus, nada a ver com o contexto, como disse Luis Felipe Miguel https://www.facebook.com/luisfelipemiguel.unb/posts/10227527690958804, na sua página do facebook sobre o episódio, onde está implícita a total indiferença e insensibilidade com quem não é igual, com quem é diferente. Como se dissesse “ Do que vocês brancos se queixam. Eles foram educados. Não chutaram a porta como fazem na quebrada e até jogaram cartas com sua irmã.” Digo eu, se depois, torturaram e mataram, isso é detalhe. Não tem importância.

A ser verdade esta assertiva, defendida por Tom Farias,  a partir de agora toda a obra literária deve conter um lado que contemple os interesses dos identitários, mesmo que nada do narrado exija esta inclusão, como no caso em pauta. Caso isso não ocorra, ela corre o risco de ser cancelada porque uma nova ordem se impõe e todos devem cumpri-la. 

Posso estar forçando um pouco a barra, mas a mim, como a Luis Felipe Miguel em sua reflexão citada antes, soou totalmente indevido e grosseiro o questionamento de Tom Farias . De novo, Marcelo Paiva não respondeu na medida que devia, no meu entender. Talvez, para não polemizar ou não ser o seu estilo. Ainda assim, deu um recado do que significa ser democrata e civilizado ao dizer, com outras palavras mas o sentido é igual, “Não devemos nos indispor, brigar, com os nossos companheiros do campo progressista e democrático, e sim com a extrema direita que é declaradamente nossa inimiga. “ O que não deixa de ser uma resposta boa, pois, desnuda a desfaçatez do inquiridor, Tom Farias, cujo tom de contestação, de questionamento, mais coloca como alvo de suas vociferações os, supostos, companheiros de trincheira em defesa da democracia do que a extrema direita. O termo supostos vai aqui devido a dúvida que tenho se pessoas com este discurso sectário e igual, no quesito maniqueísmo, ao da extrema direita, são verdadeiramente democráticas. Pior, é que esta predileção no colocar como alvo os companheiros do campo progressista e democrático, da esquerda, não é nada original. Os identitários raiz a utilizam o tempo todo. Além do mais, é impossível incutir o sentimento de culpa nos extremistas de direita.

Neste particular, percebo que intelectuais progressistas oriundos da chamada classe média alta, como Marcelo Rubens Paiva, são mais suscetíveis ao sentimento de culpa. Suponho que por sua vivencia cotidiana, rodeados de serviçais, se sintam privilegiados. Daí a aceitação das agressões dos identitários serem assimiladas sem uma resposta no mesmo tom. O sentimento de culpa os coloca como merecedor delas mesmo quando nada justifica esta passividade.

Retomando, não sei se Tom Farias pertence a turma dos identitários radicais que utilizam o conceito de lugar de fala como deslegitimador da opinião de quem não é espelho e, portanto, da ideia de que não podemos nos entender uns com os outros a menos que pertençamos ao mesmo grupo. O fato é que se comportou como um dos mais aguerridos e obtusos deles na entrevista.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

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Last Update: 23/01/2025