Testemunhamos nos últimos tempos que a política virou guerra de lacração, e a verdade não é mais medida pela comprovação dos fatos ou pela capacidade de previsibilidade dos fenômenos, mas por qualquer manifestação que possa produzir inúmeros likes e visualizações – ou pelo menos maior do que aquelas do adversário. Acima de tudo, está cada vez mais claro que a verdade é insuficiente como ferramenta de combate. Quem pensa o contrário disso adota o que alguns pensadores chamam de “supremacismo da razão“: a ideia de que uma postura racional é superior e capaz de dar conta das mentiras que se ocupa em atacar. Reconhecer os limites da verdade não significa unir-se aos inimigos na produção de mentiras, farsas, ciladas ou versões adulteradas de fatos históricos, mas entender que apenas desmentir tais narrativas fraudulentas não basta para produzir convencimento.
Essa é a verdade; somos seres apenas superficialmente racionais. Nossa razão é uma fina e diáfana película a cobrir as ancestrais camadas de crenças e temores que nos constituem. A verdade, por si só, não consegue dar conta das emoções que sustentam nossas convicções mais profundas. Por isso, mesmo que hoje em dia seja fácil e rápido o acesso a verdades bem estabelecidas – como a esfericidade do globo onde vivemos – existem aqueles que acreditam em perspectivas mais fáceis para a tradução do mundo. A razão para isso é que estas perspectivas irracionais nos oferecem atalhos entre a realidade aparente e sua estrutura última, sem que seja necessário o entendimento dos intrincados caminhos que os unem. Entretanto, como diria Karl Marx: “se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”. É muito mais fácil acreditar que o político com o qual não simpatizamos é um ladrão do que tentar entender a intrincada rede de pressões e concessões às quais eles são submetidos.
Portanto, não basta atingir a racionalidade dos sujeitos sociais e contrapor a onda de mentiras com as versões lógicas e verdadeiras; também não basta desmascarar as falsidades e fake news com torrentes de acertos; é preciso tocar as emoções, a alma, os sentimentos, pois que estes são muito mais intensos e calorosos do que a frieza do real. Mais do que uma batalha por likes, “humilhações” e “atropelamentos” virtuais, é preciso falar a linguagem do povo, de suas necessidades, com a sua língua, com seus trejeitos e sotaques, direcionando nosso discurso para dar conta de suas específicas percepções. Por esta razão eu não assisto às mentiras que chegam de um lado, mas também não me entusiasmo com o contraponto oferecido pelo nosso campo, porque sei que estas manifestações apenas convertem os já convertidos. Essa guerra em nada nos ajuda: para avançar precisamos mais do que isso.