Mediocridade e caquistocracia sustentam o subdesenvolvimento

por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Para este artigo, buscaremos argumentar que a mediocridade e a caquistocracia estão entre os fatores que perpetuam o subdesenvolvimento. No Brasil, essa dinâmica encontra raízes profundas em processos históricos como a colonização, a Independência e a formação da República. Afinal, não é natural que um sistema oligárquico antissocial degenere em uma caquistocracia? Tal tipo de fenômeno impacta diretamente a qualidade da governança e a construção de uma sociedade mais justa. Nesse sentido, o professor Roberto Mangabeira Unger, da Universidade de Harvard (EUA), afirmou que o “problema central do Brasil é a mediocridade”, destacando um ponto de partida essencial para a análise das dificuldades estruturais enfrentadas pelo país.

O conceito de caquistocracia, originado na Grécia Antiga, descreve um sistema de governo liderado pelos indivíduos menos capacitados e eticamente inferiores, visto como uma grave ameaça à estabilidade política e social. Embora inicialmente teórico, o termo ganhou relevância contemporânea ao se manifestar em práticas como a compra de cargos políticos, o nepotismo e o favorecimento de oligarquias. Esses mecanismos perpetuam a governança ineficiente e descolada das reais necessidades da sociedade, aprofundando desigualdades sociais e econômicas e comprometendo o progresso coletivo.

Em um artigo publicado na edição 155 do Le Monde Diplomatique Brasil, o professor Ibrahim Warde contribuiu com algumas reflexões relevantes para o entendimento da caquistocracia na contemporaneidade. Nesse sistema, marcado pela ascensão de líderes ineptos e eticamente questionáveis, manifestam-se o nepotismo, que favorece familiares e amigos em cargos de destaque, e a corrupção endêmica, que corrói a integridade das instituições. Ademais, a influência desproporcional de oligarquias agrava o desequilíbrio nas práticas de governança coletiva. Diferentemente das formas clássicas de oligarquia e aristocracia, a caquistocracia caracteriza-se pela ausência de critérios de mérito e/ou virtude, permitindo que indivíduos sem integridade moral ascendam a posições de liderança, com claros impactos negativos na sociedade e nas instituições democráticas.

A relação entre caquistocracia e democracia é marcada por tensões e desafios estruturais. Enquanto a democracia se fundamenta na participação igualitária e ativa dos cidadãos no processo decisório, a caquistocracia concentra o poder nas mãos de uma elite corrupta e egoísta, que age em benefício próprio. A contradição torna-se ainda mais evidente quando a caquistocracia emerge dentro de sistemas que se apresentam como democráticos. Nesse cenário, a manipulação deliberada do processo político favorece grupos privilegiados em detrimento da maioria, corroendo a confiança pública nas instituições e perpetuando a corrupção endêmica. Essa dinâmica enfraquece os pilares democráticos, comprometendo sua capacidade de promover justiça e equidade.

O regime caquistocrático caracteriza-se pela concentração de poder nas mãos dos menos qualificados, quase sempre moralmente inadequados, frequentemente acompanhado por uma acentuada assimetria de informação. Essa dinâmica reflete-se em desequilíbrios de poder e benefícios indevidos para aqueles que detêm maior acesso às informações, podendo ser descrita da seguinte maneira:

  1. Em um sistema caquistocrático, informações são frequentemente manipuladas para proteger os menos qualificados, desviando o foco de suas deficiências e ocultando suas falhas técnicas.
  2. Líderes em posições de poder controlam deliberadamente o fluxo de informações, restringindo o acesso à verdade e reforçando a assimetria de conhecimento como estratégia para manter sua autoridade.
  3. O público, frequentemente privado de informações completas ou precisas, torna-se vulnerável a discursos e narrativas manipuladoras que atendem exclusivamente aos interesses da caquistocracia.
  4. Essa manipulação informacional gera crescente desconfiança nas instituições governamentais, exacerbada pela percepção de que decisões políticas estão sendo tomadas em benefício de alguns poucos privilegiados, em detrimento do interesse coletivo.

Embora o termo caquistocracia seja associado aos governos, seus princípios podem ser aplicados mais amplamente para descrever sistemas organizacionais nos quais as decisões são tomadas por pessoas inadequadas. A crônica falta de competência técnica na tomada de decisões costuma levar a políticas organizacionais ineficazes, prejudicando a eficiência das organizações. Os líderes não qualificados tomam decisões inadequadas, baseadas em preferências pessoais, falta de conhecimento ou motivações duvidosas. Líderes ineptos criam uma cultura organizacional tóxica, na qual a incompetência é tolerada, ou até mesmo recompensada. A caquistocracia abre caminho para a corrupção e a má conduta na organização, na medida em que os líderes menos qualificados estão mais propensos a práticas antiéticas. Para quem tiver um interesse maior em aprofundar estudos sobre as relações entre poder, gestão organizacional e fragmentação social, recomendamos o livro ‘Gestão como doença social’, de Vincent de Gaulejac, editado pela Ideias&Letras, em 2007.

Conflitos entre caquistocracia e democracia se manifestam em diferentes aspectos, desde a tentativa de grupos de minar as instituições democráticas até a resistência da sociedade civil e de movimentos políticos em prol da transparência e responsabilidade nas práticas de gestão. A perpetuação da caquistocracia traz consigo desafios para a consolidação da democracia, uma vez que mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e no processo democrático. Além disso, a resistência à mudança por parte das elites caquistocráticas e a proteção dos seus interesses representam obstáculos significativos para a superação de conflitos e desafios.

A caquistocracia, mais do que um reflexo da incompetência de seus líderes, é um sintoma de sistemas políticos e organizacionais que abdicam do mérito, da ética e do interesse público como pilares de governança. Sua perpetuação ameaça a essência da democracia, corroendo instituições, ampliando desigualdades e enfraquecendo a confiança coletiva no futuro. Combater a caquistocracia exige mais do que mudanças nos postos de liderança. Demanda um esforço contínuo para valorizar a transparência, o mérito e a participação coletiva, pilares indispensáveis para a construção de organizações e sociedades mais justas, equitativas e resilientes diante dos desafios contemporâneos.

Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e editores da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (Rinterpap).

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Last Update: 21/01/2025