Em 24 de janeiro de 1835, Salvador, então capital da província da Bahia, foi palco de uma das mais significativas manifestações de resistência escrava no Brasil: a Revolta dos Malês. O movimento, liderado por negros muçulmanos africanos escravizados, representou um marco na luta por liberdade e igualdade, apesar da brutal repressão que se seguiu.
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Malês: a revolta que ousou pôr fim a escravidão e conquistar a liberdade
A revolta negra que sacudiu Salvador no Ramadã de 1835
O contexto da revolta
Na primeira metade do século XIX, a Bahia era um território marcado pela opressão e desigualdade. A economia local dependia da exportação de açúcar e tabaco, sustentada pela exploração de cerca de 524 mil escravizados, em uma população total de 858 mil habitantes. A concentração de riqueza nas mãos de poucos fazia contraste com a carestia que assolava a maioria, forçando os negros, escravizados ou libertos, a suportar condições de vida degradantes.
Nesse cenário, ideias de liberdade e justiça começaram a se espalhar, alimentadas por redes de solidariedade e organização entre os escravizados, que incluíam práticas religiosas, como o islamismo, e o aprendizado da escrita em árabe. A Bahia também fervilhava politicamente, com uma imprensa ativa e movimentos republicanos e separatistas que questionavam o status quo.
Os preparativos e a liderança dos Malês
Os Malês, como eram chamados os negros muçulmanos da região, demonstraram um alto grau de organização. Reuniões clandestinas aconteciam em diferentes pontos de Salvador, como na casa de Belchior da Silva Cunha e no Clube da Barra, que serviam como centros de planejamento. Nessas reuniões, além de discutir estratégias militares, arrecadavam fundos para o movimento e ensinavam a escrita árabe, fundamental para comunicação sigilosa.
A liderança do levante contava com figuras como Pacífico Licutan, Manuel Calafate e Belchior, que coordenavam o esforço organizativo e incentivavam o espírito revolucionário. O plano era claro: tomar Salvador, eliminar a elite branca e buscar alianças com quilombolas e escravizados do Recôncavo Baiano.
O levante e sua repressão
A revolta foi precipitada pela traição de Guilhermina, uma escrava que delatou os planos às autoridades. Em resposta, o governo colonial mobilizou tropas para evitar que os Malês se unissem a reforços de fora da cidade.
Na madrugada de 24 de janeiro, mesmo diante do fator surpresa perdido, os Malês iniciaram o levante. Armados com facas, espadas e poucos mosquetes, enfrentaram as forças policiais em locais como a Rua da Ajuda, o Largo do Teatro e a Baixa dos Sapateiros. O confronto mais violento ocorreu na Água de Meninos, onde dezenas de insurgentes foram mortos ou feridos.
A repressão que se seguiu foi brutal. Casas de negros foram invadidas, e centenas de pessoas foram presas. Alguns líderes foram executados, enquanto outros receberam punições severas, como açoites, prisão e deportação para a África.
O legado da Revolta dos Malês
Embora tenha sido sufocada em poucos dias, a Revolta dos Malês deixou marcas profundas na história do Brasil. Foi a última grande insurreição de escravizados em Salvador e revelou a capacidade organizativa e a força de resistência dos africanos escravizados.
A revolta também expôs as tensões e contradições da sociedade escravocrata brasileira, antecipando debates que culminariam na proibição do tráfico negreiro em 1850 e, décadas depois, no fim da escravidão.
Hoje, 190 anos depois, a Revolta dos Malês é lembrada como símbolo de luta por liberdade, dignidade e igualdade, convidando-nos a revisitar e valorizar as histórias apagadas das resistências negras no Brasil.