O jornalista Moisés Mendes publicou no último dia 15 no portal de esquerda Brasil 247, uma coluna intitulada Mentir é o vício sem cura na cracolândia do bolsonarismo, defendendo que “lutar pela verdade (…) talvez seja mais desafiador para Sidônio na Secom do que brigar pelo juro baixo para Gabriel Galípolo no Banco Central”. Para fins de objetividade do debate, iremos ignorar a parte da briga de Galípolo pelo juro baixo no BC e nos concentrar na luta do novo titular da Secom Sidônio Palmeira pela verdade, que nos termos apresentados por Mendes, termina sendo tão ou mais fantasiosa do que a do presidente do BC. Diz o jornalista:

“A adoração da mentira é o que mais mobiliza e agrega gente no mundo todo. A mentira é componente essencial da organização e da articulação do fascismo analógico e digital livre de regras e de regulações.

E essa é uma questão para a Justiça e para a ação política das esquerdas e não só para o governo, para muito além das táticas milagrosas de comunicação. Sidônio sabe que Lula sabe muito bem.”

Em primeiro lugar e de um ponto de vista lógico, se a mentira está mobilizando as pessoas, no mínimo, isso significa que a credibilidade social dos detentores da “verdade” é nula. Seria impossível, de outra forma, que uma parcela tão expressiva da população se unisse e mobilizasse por “adoração à mentira” se a “verdade” dita pelos governos, pelos monopólios de imprensa dominante e pela classe dominante em geral, não fosse ela própria ainda mais mentirosa. O fenômeno identificado por Mendes só pode prosperar em uma sociedade na qual a confiança na classe dominante já foi completamente corroída.

Um exemplo claro dessa desconfiança generalizada pode ser encontrado nas guerras imperialistas do início do século XXI, como a invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos em 2003. O governo do então presidente George W. Bush, fez toda uma campanha de que o regime de Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, o que era sabidamente uma mentira, mas só foi desmentida após a relativa consolidação da invasão norte-americana.

Essa mentira foi utilizada para justificar uma guerra devastadora, que causou pelo menos 1,5 milhão de mortes, arruinou completamente uma nação árabe pobre e custou trilhões de dólares ao povo norte-americano, que em consequência, experimentou um surto de empobrecimento comparável apenas à Grande Depressão de 1929. O fato de os monopólios de imprensa imperialistas terem reproduzido fielmente a farsa das armas de destruição em massa, posteriormente convertidas em guerra da democracia contra a ditadura e por fim, em guerra contra o terrorismo, contribuiu para a erosão da confiança das pessoas em relação a essas fontes de “verdade”. Isso tudo deve ser lembrado porque ao defender a luta contra as “fake news”, o que Mendes está concretamente defendendo é o monopólio da mentira por parte dos jornais que durante meses, insistiram que o Iraque tinha armas que ameaçavam a segurança dos países desenvolvidos. Do problema de fundo passando para o caso brasileiro, Mendes continua:

“A disseminação da mentira é o que assegura a milhões de brasileiros a certeza do pertencimento. É um vício praticado com a reza diária e a empreitada coletiva do golpismo permanente.

A tia e o tio do zap e das redes são parte de uma tribo, talvez a maior do país, a grande tribo dos mentirosos. Os redutos reais e virtuais de fabricação e consumo de mentira são as cracolândias do bolsonarismo.”

O que Mendes, Palmeira e o governo em geral deveriam se questionar é: quando a propaganda governamental afirma, por exemplo, que o Brasil se tornou uma nação onde a classe média predomina, essa afirmação ajuda ou prejudica o trabalho dos “tios e tias do zap?” Alguém está mentindo, mas em quem será identificado como mentiroso pela população? Essa é a pergunta mais importante, porque diz respeito ao ponto central, que é a luta política.

Isso dito, o povo brasileiro, vendo o número de sem-teto disparando nas grandes cidades, consegue concordar que virou de classe média? O autor continua:

“Sidônio chega anunciando que também vai tentar entender por que a população não se dá por satisfeita com os bons níveis de emprego, consumo e renda, como mostram as pesquisas.

Por que o sentimento de que há suportes sociais, estabilidade e perspectiva de melhoria de vida, que valia antes, sofre distorções aparentemente incompreensíveis no terceiro governo de Lula?”

Voltamos ao problema, se as pesquisas indicam “bons níveis de emprego, consumo e renda”, mas o povo não percebe isso, o erro está na propaganda, no povo ou na pesquisa? Claro que é o último. Se amplas parcelas da população se encontram esmagados pela carestia e sobrevivendo de bicos que nem por um acaso poderiam ser considerado empregos, não adianta apresentar números dizendo que está tudo bem. A realidade se impõe, é óbvio, quem luta contra ela paga um preço por isso e no final, não há nada de “incompreensível” nesse fenômeno.

Isso é o que propagandistas como Mendes se esquecem ao tentar enganar o povo. Nem mesmo o imperialismo, com todo o seu poder e recursos, consegue sustentar uma mentira por muito tempo, que dirá os aprendizes de feiticeiro da esquerda pequeno-burguesa?

Após criar um terreno fértil para a propaganda bolsonarista prosperar, a esquerda tem a opção de mudar sua política para reverter o quadro, mas como indicado acima, não é o que Mendes defende: “essa é uma questão para a Justiça”, diz o jornalista, em uma conclusão perfeita para produzir um desastre.

Nada de mudar os rumo do governo, nada de lutar por empregos de verdade, salário condizente com os custos de vida e mais direitos. Deixa tudo como está, reprima e silencie a propaganda contrária. Claro que não vai dar certo.

Nem os malabarismos com dados e nem a censura são armas válidas para um campo que depende do apoio popular. A única coisa que a esquerda vai conseguir se manter a política defendida por Mendes, é se desmoralizar ainda mais, tornar o Brasil um campo mais favorável à proliferação da propaganda da extrema direita e ainda, criar uma arapuca para si mesma caso retorne ao papel de oposição novamente, dado que a esquerda não consegue governar por muito tempo com repressão e censura, mas a direita sim.

Uma vez normalizado que a justiça intervenha na agitação política, é a esquerda que pagará o pior preço pelo ativismo judicial. A condenação quase debochada sofrida pelo presidente Lula e seu cárcere já deveriam ter ensinado isso à esquerda, que se comportam como os verdadeiros viciados da história, vivendo em alguma alucinação enquanto a vida real acontece e é cada vez mais ameaçadora para quem não luta de fato.

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Last Update: 17/01/2025