“Olá, como está a vida fora do trabalho?”, pergunta o vereador carioca Rick Azevedo, do PSOL, antes de começar a entrevista. Principal articulador da proposta de extinção da escala 6×1, com seis dias de trabalho e apenas um de descanso, ele iniciou sua militância política por acaso, ao compartilhar nas redes sociais desabafos sobre a exaustiva rotina como atendente de farmácia. Os vídeos viralizaram e, quando se deu conta, havia se tornado porta-voz de milhares de trabalhadores extenuados e sem tempo para o lazer. Criou o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) e, nas eleições do ano passado, obteve mais de 29 mil votos, a maior votação obtida pelo seu partido na disputa pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Sem alçada para propor alterações em uma legislação federal, como é o caso da Consolidação das Leis do Trabalho, Azevedo encontrou apoio na deputada federal Érika Hilton, do PSOL paulista, que assumiu a bandeira e apresentou no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição para reduzir a jornada de trabalho semanal e proibir a escala 6×1. Mesmo assim, Azevedo não cruzou os braços. Tão logo assumiu o cargo de vereador, protocolou seu primeiro projeto de lei, visando proibir que empresas com contratos com a Prefeitura submetam seus trabalhadores à escala 6×1. “O Rio pode dar o exemplo”, afirma. A íntegra da entrevista, em vídeo, está disponível no canal de CartaCapital no YouTube.
CartaCapital: Você trabalhou em escala 6×1 por quanto tempo?
Rick Azevedo: Doze anos. Meu primeiro emprego de carteira assinada foi aos 18 anos, em um supermercado, já nessa escala. O varejo e o comércio funcionam assim, sem folga no fim de semana. Passei por diversos setores: farmácia, call center, shopping, posto de gasolina… Tudo nesse esquema. Quando postei um vídeo denunciado essa realidade, as pessoas começaram a se identificar comigo e percebi que era um grito da classe trabalhadora, não só do Rick Azevedo. Hoje eu sou um político, mas tenho essa história de 12 anos de bastante sofrimento e anulação. Porque a gente anula a nossa vida em prol de uma lógica de trabalho capitalista. E o que restou para mim? Burnout, depressão, ansiedade e muitas frustrações, porque não consegui terminar as faculdades que comecei.
CC: Como tem sido a receptividade dos trabalhadores à proposta?
RA: É muito positiva. O movimento VAT tem o apoio de trabalhadores de diversas orientações políticas. A luta por mais dignidade no trabalho é universal. Todos que já passaram ou estão nessa escala têm apoiado nossa causa. E as pessoas estão ansiosas, cobram e esperam ações concretas.
CC: E a reação patronal?
RA: A resistência é gigantesca. O Brasil é um país de passado escravocrata, acostumado a explorar o trabalhador. Quando a gente propõe mudanças, como uma escala mais flexível ou uma carga de trabalho mais humana, o setor patronal reage como se as pessoas não quisessem mais trabalhar. Não é isso. A questão é que as pessoas precisam ter direito a viver, de conciliar o trabalho com a vida pessoal. Como fazer isso sem folga no fim de semana? E muitos patrões nem sequer cumprem a escala 6×1. No fim de ano, há empresas que exigem que os funcionários trabalhem 10, 15 dias sem folga. É criminoso. A luta contra a escala 6×1 é parte de uma batalha maior, contra a exploração desmedida dos trabalhadores.
CC: Qual a chance de prosperar, na Câmara Municipal, essa proposta de obrigar os prestadores de serviços da Prefeitura a extinguir a escala 6×1?
RA: Estou muito orgulhoso do meu primeiro projeto protocolado. Quando comecei essa luta, muitas pessoas diziam que eu não conseguiria protocolar uma PEC em Brasília, e hoje temos mais de 230 assinaturas. Aqui, não será diferente. O Rio pode dar o exemplo. É um absurdo a prefeitura compactuar com essa escala escravocrata e desumana. Quero melhorar a vida do trabalhador carioca, mas sem perder de vista a luta nacional. Vou batalhar com unhas e dentes para aprovar esse projeto. Já estou conversando com os colegas vereadores, e vou bater na porta de cada um.
Os profetas do empreendedorismo iludem os incautos com “falsa promessa de liberdade”, alerta
CC: Por que o discurso do empreendedorismo, encampado por figuras como Pablo Marçal, seduz tanto os trabalhadores precarizados?
RA: Esse discurso é sedutor porque oferece uma falsa promessa de liberdade. Não sou contra o empreendedorismo, mas é preciso entender que nem todo mundo tem as mesmas condições. O que vemos é uma narrativa fantasiosa, que usa a insatisfação das pessoas com o mercado de trabalho para desmobilizar a luta por direitos. A reforma trabalhista retirou muitos direitos, e essa falácia empreendedora surge para esconder a necessidade de proteção legal. Na verdade, precisamos fortalecer a CLT, e não cair nessa história de que todos podem ser donos de seus próprios negócios, sem perceber que, na prática, isso se traduz em mais precarização.
CC: O campo progressista sabe se comunicar nas redes sociais?
RA: A comunicação nas redes sociais é um grande desafio, especialmente para a esquerda. A direita tem dominado as redes, muitas vezes espalhando fake news, mas com um discurso muito eficaz. Uma crítica que eu faço aos líderes do campo progressista é a incapacidade de resumir o que quer dizer. Quem tem tempo para ver um vídeo de 5 minutos no horário de almoço? A mensagem tem que ser rápida, instantânea. As pessoas querem ver um Reels de um minuto. Falta uma comunicação mais objetiva.
CC: O segundo mandato de Trump representa uma ameaça para a esquerda no Brasil? E a adesão das big techs ao trumpismo?
RA: É preocupante, porque o que acontece nos EUA tem impacto no mundo. A vitória de Trump é um alerta para a esquerda mundial, e precisa ser encarada como um momento para fazer a autocrítica. Não estamos indo bem? Não estamos nos comunicando da maneira como deveríamos? Repare: imigrantes apoiaram o Trump. Não adianta xingar essas pessoas, apontar o dedo aos “pobres de direita”. Precisamos entender onde é que esse discurso está indo até onde nós não conseguimos chegar. •
Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ponto de partida’