Faltando apenas dez meses para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, programada para ocorrer entre 10 e 21 de novembro, há mais incertezas do que definições sobre a infraestrutura e a logística do evento. Este será um desafio que o governo brasileiro terá de enfrentar para receber adequadamente os 40 mil visitantes previstos. Escolhida para sediar a COP–30, Belém enfrenta sérios problemas de mobilidade, saneamento básico (apenas 20% da cidade tem esgoto tratado), limpeza urbana e, talvez o maior obstáculo, uma rede hoteleira insuficiente para abrigar tanta gente ao mesmo tempo. Para contornar essa dificuldade, os organizadores apostam na transformação de navios de grande porte em hospedagens e também contam com plataformas de aluguel por temporada como alternativas de acomodação. Ainda assim, o impasse persiste.

O grande déficit de hospedagem na cidade tem inflacionado de maneira ­surreal os preços de aluguéis em plataformas como Booking e Airbnb. Há, por exemplo, acomodações na casa dos milhões de reais para os 11 dias do evento, como um apartamento de “alto luxo”, cujo preço para o período é 2,1 milhões de reais para acomodar até oito pessoas. Há ofertas mais baratas, mas igualmente desanimadoras, variando entre 50 mil reais e 800 mil reais. O governo do Pará, em parceria com a prefeitura, a União e o setor privado, corre contra o tempo para tentar minimizar a deficiência. O Porto de Outeiro está sendo preparado para receber ancoragem de navios de cruzeiro de até 300 metros, com opções de alojamento de alto padrão. O estado já concedeu isenção de ICMS à rede hoteleira local para a modernização de suas instalações e para a compra de equipamentos e mobiliário. Quatro novos hotéis de grande porte estão sendo construídos em Belém, destinados a hóspedes de alta renda, das classes A e B.

Em plataformas de aluguel por temporada, os preços chegam à casa dos milhões

A estratégia de ampliação da oferta de hospedagem inclui ainda tendas climatizadas, vilas militares, espaços nas comunidades indígenas e construções modulares que servirão de alojamento, além de 17 escolas que estão sendo reformadas e transformadas em hostels para atender o público mais popular. A falta de estrutura em Belém para receber a ­COP–30 chegou a suscitar a ideia, logo descartada, de dividir a programação do evento entre a capital paraense e o Rio de Janeiro. As duas cidades contam com um simbolismo que agrega valor à conferência. Enquanto Belém está inserida no coração da Amazônia, o Rio, além de toda infraestrutura que dispõe, foi sede da ­Eco–92, evento embrionário das conferências mundiais do clima. O governo federal rechaçou, porém, a proposta. A escolha da cidade é um compromisso assumido pelo presidente Lula com o governador Hélder Barbalho, do MDB, irmão do ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho.

A União destinou 4,7 bilhões de reais para obras estruturantes, como a reforma em pontos turísticos, readequação de vias e modernização de terminais de transporte, além de reforçar os investimentos em saneamento e mobilidade. Em dezembro passado, nos últimos dias de sua gestão, o ex-prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, reinaugurou o Mercado de São Brás totalmente reformado. Foi a primeira obra concluída das 30 que estão em execução para a realização da conferência da ONU. Visando diminuir o trânsito caótico na capital, o governo estadual está concluindo a construção de novos viadutos e promete entregar antes do evento o BRT Metropolitano, que contará com veículos a diesel com reduzida emissão de carbono e modelos elétricos, que, além de não emitirem gases de efeito estufa, produzem baixo nível de ruído. Também está finalizando a requalificação de parques e praças e construindo novos espaços de lazer e convivência. Mais de 15 canais da região metropolitana deverão receber macrodrenagem, para atenuar os problemas causados pela deficiência no saneamento básico.

Atores. O governador Hélder Barbalho garante que as obras estarão prontas a tempo. O diplomata André Corrêa do Lago é cotado para presidir a COP–30 – Imagem: Rodrigo Pinheiro/Agência Pará e Acervo/MRE

Em nota, o governo do Pará informou que todas as obras da COP–30 estão sendo acompanhadas por escritórios de projetos que asseguram o cumprimento dos cronogramas para que as ações sejam concluídas antes da conferência. “Para a realização do evento, toda a organização está sendo alinhada com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), atendendo aos interesses da organização e do Brasil”, diz trecho do documento. “Sempre houve exigências mínimas nas cidades-sede em todas as COPs, e com Belém não seria diferente. É uma cidade que não esteve e não está preparada para receber um evento desse porte. Agora, cabe ao governo, e o tempo não é longo, acelerar a execução dessa infraestrutura para poder acomodar todo mundo e conter os abusos dos preços que a gente está vendo aí nos meios de hospedagem”, comenta Cláudio Ângelo, um dos coordenadores do Observatório do Clima.

Para Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde & Alegria, que desenvolve projetos de desenvolvimento comunitário integrado e sustentável na região do Tapajós, o maior desafio para o Brasil não é a infraestrutura de Belém, e sim conduzir o debate sobre o clima de forma incisiva. “Todas as COPs têm problemas, as cidades têm trânsito, têm limitação de hospedagem, e Belém não é diferente. Quando se propôs a cidade-sede, já se sabia disso. Por mais que haja investimentos, vai ter gente insatisfeita, porque a capital não atende aos níveis de exigência e conforto de todo mundo. E isso não vai mudar em nada o debate que precisa ser feito, que é discutir o clima”, avalia.

Para ambientalistas, o maior desafio não é a infraestrutura local, e sim a dificuldade de construir consensos na agenda climática

Cláudio Ângelo critica, porém, a demora do governo federal em oficializar um nome para presidir a COP–30 e liderar no âmbito global do debate sobre o clima. “Acho que a gente precisa baixar um pouco a bola dessa expectativa gigante que está se criando sobre Belém, porque, por melhor que seja o Itamaraty, o Brasil não pode fazer milagre. O que precisa estar no radar da COP–30 é uma agenda política que se apresenta complicada, onde temos de tratar de combustível fóssil, de financiamento, de adaptação climática… São vários temas difíceis e, além disso, a gente vai precisar juntar os cacos, porque a COP no Azerbaijão foi um desastre completo do ponto de vista da negociação, embora a logística tivesse sido perfeita”, ressalta o ­coordenador do Observatório do Clima. “O Brasil precisa estar mais capacitado que as demais nações do mundo para fazer a COP ser um sucesso do ponto de vista da negociação, porque poucos países têm tanto capital político e tanta simpatia e boa vontade das outras partes como o Brasil.”

Até o momento, o nome mais cotado para presidir a COP em Belém é o do diplomata André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. O embaixador é muito querido e aceito tanto por ambientalistas quanto na comunidade internacional. “O Brasil precisa presidir essa agenda global o quanto antes, pelo menos ao longo deste ano de 2025, no mandato como país-chefe da COP. A gente enfrenta um cenário cada vez mais difícil, com o crescimento de um movimento negacionista global, você tem hoje o presidente do país mais poderoso do mundo da extrema-direita, que, juntamente com a China, é o maior emissor de gases que nos levam ao aumento da temperatura, com um discurso que vai na contramão do que precisa ser feito. Então, isso aí demanda do Estado brasileiro um papel decisivo neste debate”, reforça Scannavino. •

Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Contra o relógio’

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Last Update: 16/01/2025