Foi um momento mágico para o futebol brasileiro. Diante de uma atônita Austrália, a Seleção Canarinho venceu a final da Copa das Confederações de 1997, disputada na Arábia Saudita, pelo dilatado placar de 6 a zero, com três gols de Ronaldo e três de Romário. Quis o destino, no entanto, que aquele fosse o canto do cisne da “melhor dupla de ataque de todos os tempos”. Por conta de uma contusão e de um desentendimento com o então técnico Zagallo e a cúpula da CBF, o Baixinho acabou não disputando a Copa do Mundo na França no ano seguinte.

Quase três décadas depois, a dupla está prestes a fazer tabelinha novamente, mas fora de campo. O hoje senador Romário anunciou apoio à candidatura do agora empresário Ronaldo Nazário à presidência da CBF, em março de 2026. O problema é que, ao contrário do que acontecia quando desfilava seu talento pelos gramados, o desempenho do Fenômeno no campo da política está longe de ser uma unanimidade.

Senador pelo PL de Jair Bolsonaro, a integra o núcleo de apoio político à candidatura de Ronaldo, ao lado do deputado federal Aécio Neves, do ­PSDB. A ideia gestada em Brasília é consolidar o nome do ex-jogador como o único capaz de unir forças suficientes para tirar do cargo o atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, candidato à reeleição. A estratégia começa a ser executada nos próximos dias, com uma série de reuniões com governadores, prefeitos e parlamentares que tenham capacidade de convencer as federações estaduais – estas, sim, decisivas nas eleições da CBF – a mudarem sua tradicional postura de apoio a qualquer candidato da situação na entidade máxima do futebol nacional.

O hoje empresário ainda é um dos donos do Cruzeiro, além de agenciar jogadores e ser sócio de Gabriel Jesus

A tarefa não é fácil, dado o controle financeiro que a CBF mantém sobre as dependentes entidades estaduais. Apenas para confirmar oficialmente sua candidatura, Ronaldo precisará ter o apoio formal de pelo menos quatro federações, além de quatro clubes entre os 40 que compõem as séries A e B do Campeonato Brasileiro. “Tenho certeza de que vou conseguir os apoios de que preciso. Ter tanta gente pedindo para eu me candidatar à presidência da CBF me motiva a entrar de cabeça nesse projeto e devolver ao futebol tudo aquilo que ele me proporcionou”, diz o empresário, que afirma querer visitar todos os 27 estados até o fim do ano.

O périplo começará por Belo Horizonte, onde Ronaldo pretende ter encontros com o presidente da Federação Mineira de Futebol, Adriano Aro, e também com o governador Romeu ­Zema, do Novo. Embora carioca, o Fenômeno tem forte ligação com Minas Gerais, seja como jogador ou empresário, sempre ligado ao Cruzeiro, clube pelo qual estreou no futebol profissional e chegou à sua primeira Copa do Mundo, além de ter sido o dono da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) cruzeirense entre 2019 e 2024. Mas são justamente os estreitos laços com a Raposa que trazem os primeiros – e grandes – obstáculos à candidatura do ex-atleta à CBF.

Baixinho. Romário manifestou apoio ao antigo colega da Seleção brasileira – Imagem: Staff Superbet

Segundo informação publicada pelo jornalista Juca Kfouri no portal UOL, Ronaldo, apesar de ter vendido, em abril do ano passado, sua participação na SAF ao empresário Pedro Lourenço, continua a ser um dos donos do futebol cruzeirense, o que o tornaria impedido de se candidatar pelas regras estatutárias da CBF. Documentos revelam que a venda por 600 milhões de reais dos 90% que a Tara Sports Brasil, empresa de Ronaldo, detinha na SAF à BPW Sports Participações, empresa de Lourenço, só será considerada concluída após o término do pagamento de prestações anuais programadas para acabar em 2035. Com o extenso nome técnico de Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Ações em Garantia, o acordo entre a Tara e a BPW prevê que, em caso de não pagamento de apenas uma das prestações, Ronaldo volta a “exercer a propriedade plena e direta” sobre as ações da SAF do Cruzeiro.

Outra realidade que configura claro conflito de interesses e pode minar o caminho de Ronaldo Nazário à presidência da CBF são suas atuais atividades empresariais no mundo do futebol. Mesmo após declarar ter se desfeito também do controle do clube espanhol Valladolid, ele ainda tem como sócios ou clientes em suas empresas jogadores vinculados à Seleção. É o caso do atacante Gabriel Jesus, hoje no Arsenal da Inglaterra, que é sócio de Ronaldo na Galácticos Capital, empresa especializada em “gestão patrimonial e financeira de astros do esporte e do entretenimento” que atende atualmente 26 jogadores de futebol da elite, todos brasileiros. Entre as atividades vedadas pelo estatuto da CBF ao dirigente da entidade está “possuir participação em direitos de atletas, clubes, empresas, ativos e bens que possam ser valorizados direta ou indiretamente pela ação da CBF”. Nesse ínterim, também não ajuda o fato de Ronaldo ser garoto-propaganda no Brasil da plataforma de apostas Betfair, concorrente da Betano, que atualmente dá nome ao Campeonato Brasileiro.

Núcleo político. Em Brasília, Aécio Neves engrossa a campanha do “Fenômeno” – Imagem: Igo Estrela/PSDB-MG

Apesar dos tantos pesares, para muitos Ronaldo seria o nome capaz de romper com o fisiologismo que une as federações estaduais à CBF, condição indispensável para apear do poder o atual presidente Ednaldo Rodrigues. Após ocupar o vácuo deixado no comando da entidade com o afastamento, em 2021, do então presidente Rogério Caboclo, acusado de assédio moral e sexual, Rodrigues conseguiu eleger-se em assembleia no ano seguinte, mas foi afastado do cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça, que considerou irregular o Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a entidade e o Ministério Público Federal para a realização do processo eleitoral extraordinário após a saída de Caboclo. Em dezembro de 2023, no entanto, uma liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, devolveu Rodrigues ao posto. Segundo a assessoria do STF, a apreciação da liminar pelo colegiado de ministros deverá ocorrer em março. Uma eventual cassação do atual presidente da CBF poderá impulsionar a candidatura de Ronaldo.

“Ronaldo tem tudo para promover uma mudança estrutural e talvez seja uma das poucas figuras que podem suscitar um confronto entre dois caminhos para o futebol brasileiro. Dificilmente alguém de dentro do sistema de organização do futebol teria as condições que ele tem”, avalia Walter Feldman, ex-deputado federal pelo PSDB e ex-secretário-geral da CBF. O atual presidente da entidade, acrescenta Feldman, é uma unanimidade nacional reversa: “Não há absolutamente ninguém que faça qualquer tipo de consideração positiva sobre a sua gestão. Avanços administrativos alcançados no passado retrocederam e deixou de haver o diálogo necessário. Nos clubes há uma sensação de desespero para mudar essa realidade. Os patrocinadores da Seleção, que sustentam parte ponderável do futebol brasileiro, também estão muito incomodados, mas não querem interferir porque esta é uma decisão externa a eles”.

A convite do amigo Ricardo Teixeira, o ex-jogador assumiu uma sinecura no Comitê Organizador da Copa de 2014

Arguto observador da política esportiva nacional, Feldman afirma que as federações não apoiam Ronaldo desde já por um misto de conveniência e medo: “Ednaldo, além de todas as dificuldades do ponto de vista da gestão, representação e diálogo internacional, implantou um clima de terrorismo dentro da CBF. Os dirigentes estaduais têm medo porque há uma dependência econômica absoluta. Sem a CBF, à exceção das federações de São Paulo e Rio, todas têm enorme dificuldade de sobrevivência. As federações têm medo de perder aquilo que as faz sobreviver”. O caminho político para viabilizar a candidatura de Ronaldo, diz o ex-dirigente da CBF, passará necessariamente pelo diálogo e convencimento com os presidentes das federações: “Se eles se sentirem de alguma maneira confortáveis do ponto de vista da perspectiva de vitória, grande parte adotará uma posição de não apoio ao Ednaldo”.

A ligação no passado de Ronaldo com dinossauros do futebol brasileiro, a exemplo de Ricardo Teixeira e Marco ­Polo Del Nero, ex-presidentes da CBF envolvidos em escândalos de corrupção, deixa dúvidas sobre se a candidatura do Fenômeno significaria uma real mudança. A convite de Teixeira, o ex-atleta chegou a assumir uma sinecura no Comitê Organizador da Copa de 2014, que deixou um controverso legado ao País.

Unanimidade às avessas. Ednaldo Rodrigues é malquisto por todos. Já Ronaldo é visto com desconfiança pelas antigas relações com Teixeira e Del Nero – Imagem: Rodrigo Ferreira/CBF e Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo

Para Afonsinho, ídolo do Botafogo e colunista de CartaCapital, correções nos rumos do futebol brasileiro seriam mais que bem-vindas, mas, ao lado de nomes da direita como Aécio e Romário, o nome de Ronaldo não necessariamente significa um cenário ideal: “Tem de ver quem está por trás, porque o futebol hoje é somente negócio. O Ronaldo é declaradamente um homem de negócios, demonstra como empresário a mesma personalidade que tinha no campo, é atacante, vai para cima”.

Além de excelente meia, com passagens destacadas tanto pelo Botafogo quanto pela Seleção brasileira, Afonsinho foi protagonista de episódios nos quais o futebol peitou a ditadura iniciada em 1964. Ele relembra momentos como aqueles ou como os vividos na época do movimento “Democracia Corintiana” e lamenta que hoje não haja referências para tirar o futebol brasileiro do atraso: “Para pensar em alguma candidatura progressista para a CBF, é preciso, primeiro, ter um nome, e não me ocorre nenhum no momento. Se alguém ligado ao governo tivesse esse interesse, seria muito interessante. Discute-se a possibilidade de fazer a liga nacional de clubes. É uma boa hora para fomentar essa discussão”. •

Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Negócio arriscado’

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Last Update: 16/01/2025