Valdir Nascimento, de 52 anos, estava satisfeito no fim de 2024. Líder sem-terra na cidade de Tremembé, em São Paulo, havia escrito uma carta a seus companheiros do assentamento “Olga Benário” que ali ninguém mais ocupava irregularmente um lote. Um mutirão do Incra, o órgão federal da reforma agrária, havia regularizado a situação de todos. “Somente a luta organizada trás (sic) conquistas dignas”, dizia a carta.
O sentimento de “Valdirzão”, como era conhecido, contrastava com o do principal líder nacional do MST. Em entrevista ao site Repórter Brasil publicada em 23 de dezembro, João Pedro Stédile disse que os sem-terra estavam “putos” com o governo. O motivo? Dois anos sem desapropriações e reforma agrária no terceiro mandato de Lula.
Nos próximos dias, o presidente irá a um assentamento do MST anunciar que, em 2025, o governo tem cerca de 3,2 bilhões de reais em terras ou em verba para a compra de terras, a fim de levar adiante a reforma agrária. Uma ocasião que Nascimento não poderá testemunhar: foi assassinado a bala em 10 de janeiro, juntamente com Gleison Barbosa de Carvalho, de 28 anos, durante um ataque que deixou outros seis feridos no assentamento “Olga Benário”.
“Foram 25 pessoas (participantes do ataque). E teve dinheiro, porque em três horas mobilizaram 25 pessoas com arma, com carro, com caminhonete, com gente disposta a matar”, diz o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, com base em informações do inquérito policial. “É preciso apurar ainda quem participou e quem mandou. Parece que um vereador (de Tremembé) teria autorizado (o ataque).”
O organizador confesso do tiroteio foi preso, Antonio Martins dos Santos Filho, o “Nero do Piseiro”.
De acordo com Gilmar Mauro, um dos líderes nacionais do MST, a causa da investida contra os camponeses foi especulação imobiliária. O assentamento fica próximo de áreas urbanas e despertava cobiça, inclusive de políticos locais.
O caso levou Teixeira a pedir a inclusão da Polícia Federal (PF) na Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo. A PF poderia, segundo o ministro, reforçar a área de inteligência do grupo.
A comissão foi criada por um decreto presidencial em agosto de 2023 e começou a funcionar três meses depois. Mapeou 2,5 mil áreas de conflito no campo e monitora de perto 513. Desde então, já fez quatro missões estaduais (Maranhão, Pará, Mato Grosso e Bahia).
Em 2022, o País havia registrado 47 mortes no campo resultantes de conflitos fundiários, conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 2023, foram 31, queda de 34%. Em 2024, o número caiu de novo, 42%, conforme Paulo Teixeira. Que, no entanto, reconhece: “O tema da reforma agrária no Brasil é muito atual e muito tenso”.
A falta de desapropriações no atual governo contribui para a tensão. “A reforma agrária está parada, não houve nenhuma desapropriação em dois anos. Há boa vontade para resolver no ano que vem, tudo bem, há boa vontade. Mas o balanço é negativo”, tinha dito Stédile em 7 de dezembro, em um evento no qual o ministro do Desenvolvimento Agrário estava.
Segundo Teixeira, o primeiro biênio de Lula foi de reconstruir o desmonte da gestão Bolsonaro na área da reforma agrária. E de “remover uma legislação proibitiva”. Uma decisão interna do Incra só permitia trabalho de campo com fins de reforma agrária, caso o órgão tivesse dinheiro para desapropriação no orçamento – e este mesmo orçamento tinha sido enxugado.
A reserva de 3,2 bilhões de reais em terras e em recursos para a compra de terras pelo governo neste ano busca atender às reivindicações do MST. O governo cadastrou 115 mil famílias acampadas pelo País (em estradas e áreas ocupadas, por exemplo). É esse o público potencial a ser beneficiado com desapropriações.
A quantia a ser anunciada para a reforma agrária divide-se assim: 380 milhões de reais em sobras do orçamento de 2024 do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 500 milhões do orçamento de 2025 (ainda pendente de aprovação no Congresso), 1,4 bilhão em terras dadas ao governo como pagamento de impostos e 1 bilhão em terras sob controle de bancos públicos em razão de calotes tomados em empréstimos. “Começamos o ano com 3,2 bilhões para enfrentar um problema grave”, diz Teixeira.
Segundo ele, o governo destinará ainda 1,5 bilhão em crédito para camponeses. E botará na rua o programa “Desenrola Rural”, de renegociação de dívidas de agricultores familiares e pequenos produtores. O programa dará desconto de até 85% no valor das dívidas.