“Elementos para entender o que está acontecendo na Venezuela”, publicado na Revista Movimento neste 10 de janeiro, é uma demonstração de que o assédio ao governo venezuelano vem também de setores da esquerda. É o mesmo golpismo que vimos no Brasil às vésperas de 2016, quando derrubaram Dilma Rousseff.

O texto todo é apenas uma peça acusatória, não fazendo nenhuma proposição para o desenvolvimento da esquerda na Venezuela. Porém, o que mais chama a atenção é que não mencionam o imperialismo e o estrago que ele tem produzido na economia venezuelana. Tudo recai sobre os ombros do governo Maduro, a quem acusam de ser neoliberal e de destruir “o sonho de uma revolução democrática e popular”.

Dividiram o texto em diversas partes, mas vamos nos concentrar nas quatro primeiras. Na de número 1, que se chama “Trabalho”, afirma-se que aqueles que vivem do trabalho estão “sobrevivendo há quase uma década, com as menores rendas do mundo e a perda absoluta dos direitos conquistados no século XX”. Neste trecho não fica claro se nessas conquistas está computado o período Carlos Andrés Pérez.

Adrés Pérez foi um governo capacho do imperialismo que esfolou os venezuelanos. O presidente aplicou de maneira exemplar o neoliberalismo na Venezuela, o que colocou pelo menos 85% da população abaixo da linha de pobreza. A miséria chegou a tal ponto que explodiu no Caracaço, em fevereiro de 1989, com a população rebelada tomando as ruas.

Houve uma violenta repressão do Estado com milhares de mortes. Foi essa rebelião que serviu como motor para o Movimento Bolivariano Revolucionário 200, encabeçado por Hugo Chávez, se lançar contra o governo.

Precisamos perguntar: Que direitos tinham os venezuelanos, e conquistas tinham os venezuelanos no século XX?

Além de deixar para trás a realidade do povo antes da revolução bolivariana, o texto, sem apontar as causas, diz que “o conceito de salário foi destruído”, e apela afirmando que “seus filhos, irmãos, pais e parentes precisam seguir o caminho da migração para evitar a fome”. Onde fica o papel do imperialismo?

O imperialismo promove sanções duríssimas contra a Venezuela. O país sofre escassez de produtos, a empresa de petróleo teve seus bens confiscados nos Estados Unidos. O Reino Unido confiscou R$ 6,15 bilhões de ouro venezuelano, e isso quando o país precisava de recursos para combater a pandemia de COVID-19, causando a morte de milhares de pessoas.

Os efeitos das sanções são bem conhecidos, basta ver o estrago que produz em Cuba. Deixar de lado esse fato é ser conivente com os crimes do imperialismo, o maior responsável pela pobreza e migração de venezuelanos.

Existe ainda um trecho que evidencia a baixa qualidade crítica dessa esquerda, que afirma que a pobreza “contrasta com o estilo de vida e o consumo da elite política governante”. Ou seja, criminalizam a política, como se isso fosse coisa de corruptos, um problema a ser resolvido com a justiça e com a polícia. Não é à toa que essa gente seja a mesma que apoia falcatruas como medidas de “combate à corrupção” promovidas pela burguesia.

Eles falam sobre a recuperação econômica do país e os salários continuam a cair. Para onde está indo o crescimento da economia? Qual é a economia que está crescendo? Não é a do povo trabalhador.

Identitarismo

No trecho que chamam de “Política”, “lemos que as liberdades políticas das pessoas que vivem com o suor de seu rosto estão em uma situação dramática: o direito à greve e à mobilização está confiscado na Venezuela” – grifo nosso. Aqui, a classe trabalhadora é transformada em “pessoas que vivem com o suor de seu rosto”. É um truque dos identitários, o mesmo que estão utilizando contra as mulheres, que passaram a tratar por “pessoas que engravidam”. Com essa alteração aparentemente inocente, mais de 100 anos das importantíssimas lutas das mulheres por seus direitos deixam praticamente de existir. Pelo visto, querem transformar também os trabalhadores em um conceito diluído.

Há ainda algumas denúncias de caráter duvidoso, como a de que “dezenas de líderes de trabalhadores e trabalhadores que foram processados, perseguidos ou presos apenas por pedir um aumento salarial.” ou que o simples fato de pensar a partir da rebeldia dos de baixo e dizer isso publicamente incomoda as autoridades burocráticas e os novos ricos de cima e torna isso um crime” – grifos nossos. Em um país infiltrado por agentes pagos para causar distúrbios e derrubar o governo, é bom sempre duvidar de determinadas afirmações.

Na parte chamada “Democracia”, repetem o de sempre, de que o governo Maduro seria uma ditadura, apenas não utilizam esse termo. Dão a volta afirmando que “sem a esquerda não há democracia: a esquerda não existe organicamente dentro do PSUV – nem em sua liderança política e intelectual nem em sua militância territorial”, e que para o governo, a política se resume à obediência às suas decisões”.

Como se vê, esse setor da esquerda é apenas um papagaio que repete o que diz a grande imprensa.

Distorcendo a realidade

Ao se referirem ao “Fascismo”, sustentam, que na Venezuela está se incubando um neofascismo do qual o governo, o PSUV e a oposição de extrema direita são os parteiros. É a mesma acusação que o webcomunista Jones Manuel fez ao PT. Para ele, o bolsonarismo seria um filhote dos governos petistas.

Inúmeros vídeos e fotografias mostraram a violência nos protestos após a última eleição presidencial na Venezuela. Mesmo assim, o texto pergunta: “Por que dezenas de adolescentes foram presos depois do 28J e por que o governo e a oposição de direita os deixaram por conta própria, abandonados?” A resposta é óbvia, as prisões ocorreram para combater a violência dos opositores alugados contra o governo. A direita abandonou quem foi preso porque já não eram mais úteis para seus propósitos, perderam a função.

É curiosa a afirmação de que o “antifascismo serve como uma farsa que esconde o autoritarismo neoliberal”. Aqui no Brasil, essa esquerda pequeno-burguesa utiliza a luta contra o fascismo para justificar todo tipo de arbitrariedades, como censuras e processos contra fake news; ou, ainda, tentar forçar alianças com toda sorte de “fascistas convertidos” da direita.

O texto mente sobre o que aconteceu na Venezuela ao afirmar que os distúrbios após o 28 de julho foram um “o protesto social em sua maior parte popular e pacífico (apenas marginalmente fascista e violento)”. Claro, afinal, incendiar prédios públicos, assassinar mais de vinte policiais na tentativa de derrubar um governo sob ataque do imperialismo é algo apenas “marginalmente fascista”.

Não bastasse a mentira, ainda reclamam que tudo “foi controlado com sucesso pela judicialização e pela repressão estatal e parapolicial”. O que essa esquerda filoimperialista queria, que o governo não reprimisse a violência contra ele? E isso que eles chamam de “parapolicial”, são as milícias populares, que pegaram em armas para combater os fascistas disfarçados de democratas radicalizados.

Seguindo com a choradeira, afirmam que “as leis e propostas de leis: antibloqueio, antiódio, antifascista, antiorganizações não governamentais, leis eleitorais visam fortalecer esse dispositivo de dominação sob a desculpa da ameaça fascista”. – grifo nosso. É importante ressaltar que esses golpistas, assim como os webcomunistas no Brasil, são muitas vezes financiados por ONGs. É louvável que o governo Maduro fiscalize essas organizações de perto e até as expulsem do país.

As ONGs foram fundamentais, por exemplo, para o golpe na Ucrânia, a tentativa de golpe na Geórgia. Servem como instrumento de pressão para que países não se desenvolvam, lutando contra a construção de hidrelétricas, exploração de petróleo etc.

O fato de estarem criticando as medidas de proteção do governo contra as ONGs é uma confissão de que essa gente está no bolso do imperialismo.

No final, assinam a matéria com nome de “Lxs Comunes”, o que é bom para nos lembrar o quanto o identitarismo é reacionário e golpista, e que devemos extirpar esse câncer de dentro da esquerda.

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Last Update: 12/01/2025