Por um novo tipo de trabalhador
O mercado da inteligência artificial (IA) tem atraído talentos brasileiros com salários muito acima da média para engenheiros, matemáticos e outros profissionais que se destacam na área.
Mas nem todos os envolvidos com esta tecnologia estão em uma posição invejável.
Há todo um contingente de trabalhadores terceirizados que fazem um trabalho manual laborioso, ganham menos da metade de um salário mínimo, em média, e, por isso, têm mais de um emprego para conseguir pagar as contas — mas são essenciais para que os sistemas de IA sejam capazes de operar.
Os chamados “operários de dados” são considerados “trabalhadores fantasmas” porque executam nos bastidores uma série interminável de microtarefas para refinar as inteligências artificiais.
“Os sistemas de IA requerem muito trabalho humano manual e discreto para funcionarem, o que evidentemente contradiz a narrativa dominante da progressiva e inexorável automação”, diz a socióloga Paola Tubaro, especializada da ciência da computação e professora e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Economia e Estatística, na França.
“Por isso, empresas de tecnologia e desenvolvedores de IA não se dispõem a divulgar esse tipo de trabalho, que assim permanece escondido, ou seja, ‘fantasma’”.
Mas o que faz um operário dos dados?
“Eles inserem dados para treinar e moderar sistemas e atividades de IA”
Esse tipo de atividade ficou conhecida como microtrabalho, pela natureza fragmentada das tarefas envolvidas. O fenômeno é novo, assim como os termos usados para descrevê-lo, diz Grohmann.
“Temos usado muito o termo data workers [operários de dados, em tradução livre do inglês], o que os diferencia dos tech workers [profissionais de tecnologia], que são os responsáveis por produzir, projetar e analisar os dados da IA”.
Na prática, esses trabalhadores (de dados) também podem ser chamados de “treinadores de IA”.
Pegue um sistema como o ChatGPT, por exemplo. Os “treinadores” são responsáveis por alimentar o robô com as informações e dados que ele precisa para responder perguntas de usuários, auxiliar em traduções, fazer pesquisas, dentre outras tarefas.
Praticamente todos os sistemas de IA dependem destes operários de dados. Redes sociais, por exemplo, os contratam para monitorar as postagens e interações e detectar ações que ferem suas regras ou a lei.
Na comparação com uma fábrica tradicional, esses profissionais seriam o chão de fábrica.
“A lógica do que é a classe operária vai mudando com o tempo. Essa é uma nova apresentação do que são os blue-collars [termo em inglês para a classe operária] e os white-collars [os executivos, que estão longe das tarefas manuais]”
Quanto ganha um operário de dados?
Os operários de dados ganham, em média, R$ 583,71 por mês em um emprego, segundo a pesquisa Microtrabalho no Brasil: Quem são os trabalhadores por trás da inteligência artificial.
Esses trabalhadores ganham por cada tarefa concluída e não por hora trabalhada. Segundo o estudo, esse valor médio mensal corresponde a cerca de 15,5 horas de dedicação por semana.
Quem são os trabalhadores fantasmas?
A pesquisa Microtrabalho no Brasil constatou que há muitas pessoas com diploma universitário fazendo esse tipo de serviço.
Dos quinze participantes selecionados para entrevistas, como uma amostra representativa do setor, treze eram formados em cursos variados, como direito, administração, ciências da computação e fisioterapia.
Sete em cada dez trabalhadores deste mercado têm entre 18 e 35 anos, segundo o estudo. De cada cinco, três são mulheres.
A maioria mora nos Estados de São Paulo (28,8%), Rio de Janeiro (12,6%) e Minas Gerais (9,7%).
Trabalhadores terceirizados do ‘Sul global’
Na maioria dos casos, as empresas que contratam trabalhadores fantasmas prestam na verdade serviços para outras bem maiores.
Gigantes de tecnologia, como Meta (do Facebook e Instagram) e a OpenAI (do ChatGPT) subcontratam os seus operários de dados.
“Trata-se de uma realidade do Sul Global [termo que designa países mais pobres, a maioria localizada no hemisfério sul]. São trabalhadores na Venezuela, na Colômbia, no Quênia”
Foto: Gustavo Luiz, 19 anos, é um operário de dados — arquivo pessoal