Um dos mais importantes e queridos líderes da esquerda mundial, o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, de 89 anos, afirmou, em tom de despedida, que o câncer que o acomete se espalhou e que não poderá seguir tentando tratá-lo. “Estou morrendo”, disse. As declarações foram dadas a um jornal local e publicadas nesta quinta-feira (9).
De acordo com Mujica, o câncer no esôfago está se espalhando para o fígado. “Não consigo impedi-lo. Por quê? Porque sou um idoso e tenho duas doenças crônicas. Não posso fazer tratamento bioquímico nem cirurgia porque meu corpo não aguenta”.
Mujica também afirmou: “O que peço é que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo já terminou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”.
Em abril, Mujica anunciou que estava com câncer e, em novembro, fez uma cirurgia para permitir a passagem de alimentos, que já estava prejudicada devido ao tumor.
No início de dezembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Mujica e sua esposa, a ex-senadora Lucia Topolansky, em seu sítio, nos arredores de Montevidéu. Na ocasião, Lula o condecorou com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo Estado brasileiro.
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“De todos os presidentes que eu conheci, que eu tive amizade, e que convivi muitos anos, o Pepe Mujica é a pessoa mais extraordinária que conheci”, disse Lula ao lado do ex-presidente uruguaio, com a voz embargada, durante o encontro.
Mujica foi um dos mais importantes presidentes do Uruguai, cargo que exerceu entre 2010 e 2015, sucedendo Tarbaré Vazquez, primeiro presidente de esquerda da história do Uruguai.
Ambos chegaram ao poder pela Frente Ampla, conjunto de partidos populares e de esquerda, que elegeu, no ano passado, o novo presidente, Yamandu Orsi. Ele assume o comando do país em março e é considerado um pupilo de Mujica.
Durante o período em que esteve na presidência, Mujica fez um mandato marcado por sensíveis melhorias sociais e no nível de vida dos uruguaios.
O Uruguai também aprovou leis bastante avançadas relativas a pautas que, em países como o Brasil, ainda são consideradas tabu. Dentre elas estão a permissão ao aborto em qualquer circunstância até a 12ª semana de gestação; o casamento entre pessoas do mesmo sexo, além de ter sido o primeiro país do mundo a legalizar o cultivo, a venda e o consumo de maconha.
A chegada de Mujica à presidência marcou, ainda, o triunfo de um homem marcado pela feroz perseguição ocorrida durante a ditadura civil-militar uruguaia, que se estendeu de 1973 a 1985.
À época, era membro do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, que lutava contra o regime ditatorial. Por sua atuação, ele e outros companheiros ficaram presos por mais de uma década e sofreram tortura, história ricamente contada no filme “Uma Noite de 12 anos”.
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Mais tarde, já sob o regime democrático, Mujica foi eleito deputado e ministro até que, anos depois, se tornou um dos presidentes mais queridos do país. Após sair da presidência, se elegeu senador, cadeira que ocupou entre 2015 e 2018.
Apesar de toda sua importância, a personalidade de Mujica sempre teve a marca da simplicidade — seu pequeno sítio e seu Fusca são símbolos materiais desse traço. Outra marca é sua sabedoria diante da vida e dos desafios que a humanidade precisa atravessar para se tornar justa e igualitária.
Em comício feito durante a campanha de Orsi, em outubro, Mujica, em um discurso emocionante, declarou: “Sou um velho que está muito perto de empreender a retirada de onde não se volta. Mas, eu sou feliz porque quando meus braços se forem haverá milhares de braços substituindo na luta”.
E completou: “Por toda a minha vida, eu disse que os melhores dirigentes são os que deixam uma turma que os supera com sobra. E hoje estão vocês. Está Yamandú, está o Pacha, haverá milhares e outros que esperam, e outros braços jovens para seguir na luta contínua por um mundo melhor”.