Era uma vez, em 1630, um país chamado Holanda. Nas terras dos assim chamados Países Baixos ocorre um frenesi que se apodera da grande maioria da população, do mais rico ao mais pobre. A Tulipomania mobiliza corações e mentes na busca obsessiva por riqueza fácil.

Em 1636, um bulbo dessa exótica planta ornamental poderia ser trocado por uma nova carruagem, dois cavalos cinzentos e um conjunto completo de arreios. A febre do cultivo e comercialização de vários tipos de bulbos alastrou-se na economia holandesa mais rápido que a velocidade da luz. Não havia Internet!

A demanda por espécies raras de tulipas cresceu tanto que foram criados mercados regulares para a sua comercialização em Bolsas de Valores em Amsterdã, Roterdã e outras cidades holandesas.

No livro Manias, Panics and Crashes, o economista Charles Kindleberger faz uma autópsia dos processos maníacos que, inevitavelmente, terminam no colapso de preços e nas crises de crédito. Assim foi em Amsterdã, no episódio da Tulipomania, um antepassado modesto dos grandes crashes dos séculos XX e XXI. Entre 1634 e 1637, os investidores holandeses, muitos de classe média, especularam furiosamente com a possibilidade de negociar a preços cada vez mais elevados os bulbos de tulipas, que, ademais, tinham a vantagem de exigir muito pouco ou nada para a sua reprodução. Na base das expectativas exacerbadas a respeito da evolução do preço das tulipas estava o Banco de Amsterdã e sua capacidade de estender o crédito e suportar o avanço da especulação.

Na história das finanças é comum a imagem de investidores inconformados com os resultados da própria cupidez. Desde a Tulipomania de 1634, passando pelas crises cada vez mais frequentes do século XVIII (como a Bolha dos Mares do Sul, em 1720), e chegando aos desastres financeiros do século XX, o que mais impressiona o observador é a semelhança entre episódios tão diferentes.

Em 1852, Charles Mackay publicou o livro Memoirs of Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds. Nas páginas de sua obra, Mackay ocupa-se das crises financeiras desencadeadas nos séculos anteriores. Entre tantas, despontam a de John Law e seu Esquema Mississippi, a Bolha dos Mares do Sul e a Tulipomania. Nesse episódio de loucura coletiva, as operações com tulipas  tornaram-se tão amplas e intricadas que foi necessário criar um arcabouço legal para orientar os negociantes.

Em 1637, veio o fim, o estouro, da bolha das tulipas. Subitamente, os mais prudentes e nervosos desencadearam a venda dos bulbos. Indícios indicam questionamentos que incomodaram esse grupo de tulipomaníacos. Teriam assomado às suas almas ambiciosas algumas indagações: o que é uma tulipa, além de uma planta ornamental? O que faz uma tulipa, além de ser uma planta exótica, uma flor?

Charles Mackay acentua a Loucura das Massas embaladas nas esperanças da grana fácil: “Nobres, cidadãos, fazendeiros, mecânicos, marinheiros, lacaios, domésticas e até limpadores de chaminés e lavadeiras idosas enfiaram seus narizes nas tulipas. Pessoas de todas as categorias convertiam suas propriedades em dinheiro e investiam em flores. Casas e terras foram postas à venda a preços ruinosamente baixos, ou dadas em pagamento de negócios efetuados no mercado de tulipas”.

A Holanda entrou em depressão econômica por vários anos.

“O episódio especulativo sempre termina não com um suspiro, mas com uma explosão.” (John Kenneth Galbraith)

Os Senhores da Grana repetem: Corta, corta, e danem-se os prejudicados. Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo

Hoje, vivemos a euforia das criptomoedas, a cada dia da semana, dia sim, outro também, um minerador cria sua própria moeda digital, com a esperança de que alcance os pináculos do Bitcoin. Assim como em relação aos bulbos de tulipas, há que indagar: o que é um Bit? O que eu compro com um Bit? Quanto vale um Bit? Nada, além de capacidade de memória! E um algoritmo? Vale o quê?

“A regra é a seguinte: as operações financeiras não se prestam à inovação… O mundo financeiro não cessa de saudar a reinvenção da roda, muitas vezes em versões progressivamente mais instáveis.” (John Kenneth Galbraith)

Plataformas de negociações de ­crypto, ETF de crypto, contratos futuros de crypto, mineração de crypto. Formas como stablecoins apresentam-se como a ressurreição digital do velho padrão-ouro, pretendendo transformar as plataformas privadas em garantidores da estabilidade das pseudomoedas. Delenda Bancos Centrais! Os crentes proclamam: o blockchain garante a autenticidade monetária das crypto. Esquemas Ponzi, pirâmides e alavancagens proliferam nesse mundo “monetário”.

Cadê a aceitação geral? Para eu comprar alguma coisa tenho de trocar minha crypto por moeda local, dólares, euros, reais. Mas os crédulos carregam em suas carteiras 1 trilhão de dólares desses bits misteriosos e milagrosos! Interessante: o patrimônio crypto é medido em dólares, uma moeda criada em 1776!

As novas tulipas digitais estão aí nos corações e mentes da modernidade.

“De maneira uniforme em todos os eventos especulativos está a ideia de que há algo novo no mundo.” (John ­Kenneth Galbraith)

“Toda pessoa, enquanto indivíduo, é toleravelmente sensata e razoável, mas, como membro de uma multidão, torna-se imediatamente um idiota.” (­Friedrich von Schiller)

Voltamos a Charles Mackay: “Ao ler a história das nações, descobrimos que, como os indivíduos, elas têm seus caprichos e suas peculiaridades; suas temporadas de excitação e imprudência, quando não se importam com o que fazem. Descobrimos que comunidades inteiras de repente fixam suas mentes em um objeto e enlouquecem em sua busca; que milhões de pessoas ficam simultaneamente impressionados com uma ilusão e correm atrás dela, até que sua atenção seja atraída por alguma nova loucura mais cativante do que a primeira…

O dinheiro, novamente, tem sido frequentemente uma causa da ilusão de multidões. Nações sóbrias de repente tornaram-se jogadoras desesperadas e arriscaram quase suas existências ao virar um pedaço de papel”.

No Brasil de hoje, a Loucura Coletiva assedia os Senhores da Grana que repetem obsessivamente o mantra do Risco Fiscal. Corta, corta, corta e danem-se os prejudicados. Manda quem Pode, Obedece quem tem Prejuízo. •

Publicado na edição n° 1344 de CartaCapital, em 15 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘As cryptotulipas’

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Last Update: 09/01/2025