Turma da Mônica: Laços (2019) e Turma da Mônica: Lições (2021) são um marco do cinema infantojuvenil brasileiro. Esteticamente bem cuidados, dramaturgicamente complexos e, ao mesmo tempo, dotados de feição popular, os filmes transferiram para o cinema, com atores, o sucesso do universo de Mauricio de Sousa.
É dessa bem-sucedida parceria entre a Mauricio de Sousa Produções – que vende 2 milhões de revistas em quadrinhos por mês e oferta 4 mil produtos licenciados –, a Biônica Filmes, produtora voltada sobretudo ao longa-metragem, e a Paris, a maior distribuidora de filmes nacionais, que deriva Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa.
O filme, em cartaz nos cinemas desde a quinta-feira 9, é o primeiro grande lançamento brasileiro em 2025 e deve beneficiar-se do clima de entusiasmo gerado pelas boas bilheterias recentes.
Márcio Fracarolli, da Paris, apostou em um circuito que dá ênfase não apenas aos maiores mercados, mas às cidades do interior, em especial aquelas do Estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. “Demos especial atenção a lugares que têm sua roça, seu lado caipira”, diz ele. “Quisemos colocar o filme em cidades que, do cinema brasileiro, conhecem basicamente as comédias populares.”
Enquanto Mônica, Cascão, Cebolinha e Magali moram no bairro do Limoeiro, o novo protagonista vive na Vila Abobrinha, um lugar emoldurado por um verde abundante, onde há caipiras, bichos, cercas e árvores – dentre as quais, a famosa goiabeira. E Chico é, como diz o diretor Fernando Fraiha, “o caipira mais legal da vila dele”.
Fraiha, sócio da Biônica, e mais conhecido por fazer comédias, nunca tinha dirigido um filme infantil. Quem passou para ele o bastão foi Daniel Rezende, o diretor de Laços e Lições – e sempre referenciado também como montador de Cidade de Deus (2002).
No set de Laços, tudo se revelou tão grande e complexo que, lá pelas tantas, Rezende pediu a Fraiha que assumisse a segunda unidade de direção. Dessas diárias, o cineasta se recorda de uma cena em especial: aquela na qual Magali, na cozinha, abre a geladeira, começa a pegar um monte de comida e ele enquadra, em primeiro plano, uma melancia.
Foi durante uma pausa para o café, no set, que Rezende disse, de forma despretensiosa, e meio brincalhona, que sabia quem dirigiria Chico Bento: ele, Fraiha. A conversa ficou pelo caminho. Um bom tempo depois, quando se discutia o filme, Rezende falou a mesma coisa. A sério.
O cineasta conta que a imagem-chave para o roteiro foi a de um trator indo em direção à goiabeira e Chico tentando pará-lo. Conforme o projeto foi sendo desenvolvido, a questão da preservação da natureza ganhou relevo e tornou-se o mote principal da trama.
Rodado ao longo de seis semanas em Bragança Paulista e Itatiba, cidades do interior de São Paulo onde ainda se vê uma paisagem rural e um belo pôr do sol, Chico Bento tem um achado precioso: Isaac Amendoim, o ator que faz o papel-título.
Expressivo, engraçado e cativante, ele é, sem dúvida, o menino mais legal da Vila Abobrinha. •
Finda a tempestade…
O aumento do público para filmes brasileiros e a volta da cota de tela indicam uma boa maré
Passados quatro anos desalentadores, o cinema brasileiro chegou ao fim de 2024 dando sinais de recuperação tanto no que diz respeito aos números quanto em relação ao impacto cultural.
A ovação de dez minutos e o prêmio para Ainda Estou Aqui no Festival de Veneza, em setembro, serviram de preâmbulo a esta fase de entusiasmo.
Ao surpreendente resultado de público do filme que deu o Globo de Ouro a Fernanda Torres seguiu-se, a partir de 25 de dezembro, outro sucesso: O Auto da Compadecida 2, que soma 2 milhões de ingressos.
No início de 2024, a comédia Minha Irmã e Eu havia batido 1 milhão de ingressos – algo, à altura, comemorado porque, desde a pandemia, essa barreira não era ultrapassada. Veio, na sequência, Farofeiros 2.
O painel de dados da Agência Nacional do Cinema registrou esta semana que, em 2024, os filmes nacionais foram responsáveis por 10,1% dos ingressos vendidos no País.
Embora menor que a média de quase 15% registrada nas duas primeiras décadas do século XXI – até a pandemia – , o porcentual demonstra um retorno do público às salas para ver filmes brasileiros. Entre 2021 e 2023, o market share, métrica importante para a política pública, tinha ficado entre 1,7% e 4,2%.
O público total dos cinemas foi, em 2024, de 125 milhões, quase 30% a menos que o de 2019.
Outro dado relevante, neste cenário de recuperação, é que o Brasil bateu o recorde de número de salas: 3.509. Trata-se, assim como no caso do market share, de um número baixo, mas em curva ascendente.
Completando a maré de boas notícias para um setor levado ao chão por uma confluência de fatores – governo Bolsonaro, fechamento de salas na pandemia e boom do streaming –, a Ancine publicou, em 3 de janeiro, a Instrução Normativa (IN) que regulamenta o Decreto da Cota de Tela assinado pelo presidente Lula em dezembro.
O decreto pôs fim a um hiato de quatro anos durante os quais o mecanismo ficou suspenso.
A IN traz novidades em relação aos modelos anteriores, como a exigência de que os filmes brasileiros sejam programados em sessões de maior procura – especialmente, a partir das 17 horas – e o incentivo à programação de títulos premiados em festivais.
Um dos objetivos da IN é minimizar o profundo desequilíbrio entre o porcentual de filmes brasileiros exibidos e vistos.
– por Ana Paula Sousa
Publicado na edição n° 1344 de CartaCapital, em 15 de janeiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sou caipira pira, pora’