O giro trumpista de Zuckerberg e a virada cultural contra as minorias

Dia desses, me peguei acompanhando uma das muitas discussões acaloradas que surgem diariamente no finado Twitter. O tema da vez era: qual diva pop mais apoiou e realmente fez diferença no avanço das pautas sociais? As opções eram muitas, mas destaco algumas. Lady Gaga foi a primeira cantora a levar uma música com temática LGBTQIA+ ao topo das paradas da Billboard americana. Seus versos se traduziam em ações e enfrentamentos, como o icônico show da turnê Born This Way na Rússia, quando enfrentou o governo de Putin, que ameaçou prendê-la caso ela abordasse diversidade nos palcos.

Beyoncé também merece lugar de destaque na minha lista. Dona de uma carreira impecável e amplamente aclamada, teve a coragem de assumir a própria negritude. Lembro de uma esquete do Saturday Night Live ironizando o espanto de parte do público ao “descobrir” que Beyoncé era negra. Muitos não estavam preparados para uma artista que, além de cantar, passou a narrar e exaltar a experiência negra americana, celebrando uma beleza que por décadas foi ignorada.

No topo da minha lista, porém, está Madonna, a mulher que colocou sua carreira à prêmio por um ideal. Ao defender a liberdade sexual feminina e combater a demonização de corpos LGBTQIA+, ela arriscou tudo. No auge da epidemia de HIV/AIDS, quando corpos dissidentes eram vistos como contaminados e perigosos, Madonna beijava seus dançarinos na boca para escancarar a hipocrisia social. Hoje, com mais de 40 anos de carreira, ela ainda escandaliza, desafiando o moralismo de plantão. Não teme expor os desejos de uma mulher de 65 anos que se recusa a desaparecer.

Se no Congresso podemos  rotular pessoas trans como ‘doentes mentais’, por que não no Instagram?

Comprometer-se é apoiar, até em momentos sombrios. Em tempos de crise e medo, corpos dissidentes são sempre o elo mais fraco. Quando as coisas vão mal, não há inimigo mais conveniente do que aquele que parece “diferente”. Não é por acaso que, vira e mexe, a rotina urinária de mulheres trans recebe mais atenção do que a miséria e a desigualdade. A falta de perspectiva de futuro de milhões de brasileiros é menos importante que o suposto atentado à gramática que a palavra “todes” representa. Crianças reais, que passam fome, não encontram a urgência dada às crianças imaginárias que estariam sendo forçadas a cirurgias inexistentes para “mudança de sexo” – delírios nascidos em grupos de WhatsApp.

Talvez seja por isso que tanto nos preocupemos em entender as redes que amplificam essas distorções – WhatsApp, Instagram, Twitter, e por aí vai. Mas como defender vidas que simplesmente saíram de moda?

Essa semana, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, alarmou o mundo com mudanças significativas em suas plataformas. O programa de checagem de fatos e combate às fake news foi encerrado. Em tempos em que IAs geram imagens falsas ultrarrealistas e a desinformação é uma arma política, a maior empresa de redes sociais do mundo decidiu “confiar” na humanidade, transferindo aos usuários a responsabilidade de decidir o que é verdade ou não.

Na esteira dessa “liberdade de expressão ampliada”, também caíram proibições a temas considerados de “interesse público”. Se no Congresso podemos debater a “cura gay”, rotular pessoas trans como “doentes mentais” e comemorar o “orgulho branco”, por que não levar esses “debates fundamentais” também para o Instagram?

Como se não bastasse, Mark foi além: vem eliminando, sorrateiramente, menções direta à comunidade LGBTQIA+ em suas plataformas. Temas comemorativos simbolizavam as bandeiras de “Orgulho”, “Transgênero” e “Não-Binário” ganharam nomes genéricos como “Arco-Íris”, “Algodão-Doce” e “Pôr do Sol Dourado”.

Comprometer-se é apoiar, sobretudo nos momentos sombrios. É arriscar ganhos – que não são poucos – por um bem maior. É sustentar bandeiras quando não há aplausos fáceis. Empresas como a Meta têm infinitamente mais poder de se proteger de ventos políticos desfavoráveis do que pessoas comuns, cuja sobrevivência depende de atos de resistência. Enquanto uns criam ruídos com o poder, outros perdem a própria vida.

Ninguém é ingênuo a ponto de esperar que o capital ceda ao bem-estar social por pura ética ou compaixão. Sabemos como a lei dos edifícios espelhados funciona. Mas quando uma bandeira sai do mastro para virar pano de chão da noite para o dia, a face hipócrita da “diversidade” corporativa se torna assustadora.

Ou talvez eu só esteja esperando demais de alguém que nunca lançou uma música sequer.

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