Por que você deveria ir à prefeitura dia 9
por Mauro Donato
Durante a campanha, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), deu a seguinte cartada para se reeleger: “Vou manter a tarifa congelada”. Venceu o pleito e imediatamente enfiou-nos goela abaixo o maior aumento no preço da passagem de ônibus dos últimos dez anos. Um exorbitante reajuste de 13,6%.
Estelionato eleitoral, nos termos de um documento impetrado na Justiça por parlamentares do PSOL, uma ação popular com fins de barrar o aumento. Sem sucesso. Desde o último dia 6 a tarifa dos ônibus em São Paulo pulou de R$ 4,40 para R$ 5,00.
Nunes, que figura como um dos piores prefeitos do país em pesquisa divulgada na semana passada pelo instituto Atlas Intel, não ruborizou ao justificar-se sobre a tunga no bolso da população: “O reajuste foi para manter a qualidade do sistema”.
Qual a qualidade mesmo?
Mais de 2 mil ônibus sequer possuem ar-condicionado (e em tempos de mudanças climáticas isso não é luxo algum). Das 38 concessionárias habilitadas para atuar no sistema de ônibus, 24 não cumprem o número de viagens previsto em contrato (fonte: SPTrans). De novo: 63% das empresas não fazem o que deveriam fazer, sendo que o contrato ainda lhes dá o privilégio de cumprirem 97% das viagens. Se alguém souber por que não é 100% por favor me esclareça. E nem assim cumprem.
Sem atender a quantidade mínima, o intervalo entre os ônibus aumenta, a superlotação é inevitável, os atrasos do usuário a seus compromissos são cotidianos (a não ser, claro, que se saia de casa ainda mais cedo. Para quem acorda às 4:00, que diferença faz acordar 3:30, não é mesmo?) e, como se não bastasse, no ano passado a gestão Ricardo Nunes permitiu que essas companhias mantivessem uma frota mais antiga, sem precisar cumprir a lei que proibia ônibus com mais de 10 anos de uso. As carcaças continuam rodando, exigindo menos investimento para essas empresas.
Financeiramente, essa turma não tem do que reclamar. 2024 foi um ano de muita generosidade da prefeitura para com elas, que receberam o repasse de R$ 6,7 bilhões em forma de subsídio. O sistema como um todo custa R$ 12 bilhões. Faça as contas: você ganha a licitação para prestar um serviço durante décadas, tem mais da metade do custo subsidiado, não investe praticamente nada, transporta mais gente por viagem em cada ônibus velho que já deveria estar aposentado. Super negócio.
Nunes não está sozinho. Trens e metrô, que são responsabilidade do governo estadual Tarcísio de Freitas (Republicanos), também aumentaram o preço das passagens em R$ 0,20. Pois é, olha os 20 centavos aí outra vez. “Nunca foi por 20 centavos.” Não mesmo, sempre foi por um direito social básico que é o acesso à cidade. E de que tem adiantado o shopping no qual se tornaram as estações de metrô se o reajuste sempre vem? Onde vai parar o faturamento com as atividades comerciais e espaços publicitários que nascem com o argumento de baratear os custos do sistema? Onde está a economia feita com as centenas de demissões de metroviários se a conta insiste em cair nas costas do povo?
De 20 centavos em 20 centavos, o trabalhador gasta hoje mais de 25% do salário-mínimo (R$ 392,08 é o custo mensal da integração entre ônibus e sistema ferroviário – fonte: SPTrans). Um quarto do salário para enfrentar falhas diárias, superlotação, pane elétrica, cortes de linhas, temperatura de sauna, isso sem contar os incêndios na rede. Um quarto do salário por um transporte cada vez pior e mais caro. Parabéns aos envolvidos.
Desde o asteroide Jornadas de Junho, há uma recorrente e indignada pergunta feita por parcela da esquerda: “Cadê o MPL agora?”. Pois bem, está onde sempre esteve e no próximo dia 9 de janeiro (quinta-feira), em frente à sede da prefeitura de São Paulo, um protesto contra o aumento está programado. É a oportunidade de uma resposta popular contundente. É o momento de boa parte da esquerda abandonar o ranço infundado que criou perante o referido movimento social e somar na manifestação contra a dupla Nunes-Tarcísio que está desmontando e vendendo São Paulo, deixando seus habitantes sem água, sem luz, sem coleta de lixo, sem transporte digno, sem segurança pública. Vá por você mesmo. A esquerda precisa de ação, não só discurso.
Mauro Donato é escritor e jornalista, pós-graduando em Literatura e Filosofia (PUC-RS). Vencedor do Prêmio de Literatura da Universidade de Fortaleza 2023 na categoria Contos, é autor de “Além do Pó” (Ed. Chiado) e “O Mais Estranho Nisso Tudo” (Ed. Patuá). Colaborador em veículos progressistas, também escreve ensaios críticos na RFM, publicação científica interdisciplinar da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em parceria com o IBEC (Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos).
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