Internamente, o Brasil vive um interregno perigoso. Às portas das eleições de 2026, o ano de 2025 representa o tudo ou nada contra o autoritarismo que ainda paira sobre as instituições. É impossível ignorar que a democracia, para além de um conceito político, constitui uma construção jurídica. Ela se baseia em pilares como o devido processo legal, a proteção das liberdades fundamentais e a separação dos poderes – princípios que, no Brasil, frequentemente são tratados como descartáveis por interesses obscuros.
A tarefa de consolidar a democracia não se limita à retórica. Sob uma perspectiva jurídico-política, é imprescindível exigir um compromisso firme no combate à desinformação, aplicando a lei com toda a sua contundência. Afinal, a história recente demonstra que as sombras do fascismo não hesitam em explorar fragilidades democráticas para se perpetuar.
A recente vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025, por sua atuação em Ainda Estou Aqui, carrega um peso que vai além do reconhecimento artístico. O filme, dirigido por Walter Salles, revisita os traumas deixados pela ditadura no Brasil, mostrando como a memória e a justiça são fundamentais para superar feridas históricas e construir um futuro democrático. Em um discurso emocionado, Fernanda destacou a importância de impedir que momentos sombrios sejam apagados da memória coletiva e celebrou o poder da arte como um espaço de resistência e conscientização. Sua conquista não apenas enaltece o talento brasileiro, mas também exibe ao mundo a luta brasileira por verdade, justiça e dignidade, frequentemente ocultada por narrativas oficiais. Revisitar o passado, como Fernanda nos lembrou, não é um fardo, mas uma oportunidade de revelar a verdadeira face de um país.
A defesa da memória e da justiça é urgente, especialmente diante dos impactos devastadores que a ditadura brasileira deixou. Os anos de chumbo não apenas ceifaram vidas, mas também impuseram uma cultura de silenciamento e medo que ainda persiste nas instituições e nas relações sociais. Sem uma justiça plena para as vítimas e sem um enfrentamento honesto ao passado, a consolidação de uma democracia robusta segue comprometida. Memória não é apenas um registro de eventos históricos; é um instrumento de reparação e aprendizado coletivo. Sem verdade e responsabilização, reproduzimos desigualdades, violências e uma estrutura social marcada pela desconfiança e pela exclusão. A memória é a semente de um futuro mais justo; a justiça, o solo fértil no qual ela pode germinar. Sem essas bases, perpetuamos os traumas do passado como feridas abertas no presente.
Essa luta também possui um forte componente racial. O genocídio da juventude negra, que mantém vivas as táticas de tortura e derramamento de sangue dos porões do DOPS nas periferias, é uma ferida aberta na história do Brasil que demanda respostas estruturais e enérgicas. Cada corpo negro tombado pela violência estatal representa um atentado contra os fundamentos da democracia e da dignidade humana.
O combate ao racismo é uma obrigação constitucional e internacional. Políticas públicas de equidade racial devem vir acompanhadas de responsabilização efetiva do Estado em casos de violência e negligência. Não há democracia sólida em um país que se recusa a enxergar o abismo racial que construiu – e continua a expandir.
O ano de 2025 desponta como um campo de batalha para a reafirmação dos direitos humanos, da justiça climática e da democracia no Brasil. Em tempos de crises interseccionais – climática, social e política – a responsabilidade de resguardar conquistas históricas e abrir novos horizontes não é apenas um desafio ético, mas também um imperativo jurídico e civilizatório. A COP 30, sediada na capital amazônica, coloca em xeque o compromisso do Brasil e do mundo com a justiça climática, obrigando-nos a reconhecer que não há democracia em um planeta moribundo, tampouco há planeta viável sem a centralidade da justiça social.
A justiça climática é um tema abrangente; ela expõe a perpetuação das desigualdades globais. Sob a perspectiva jurídica, trata-se de demandar reparação histórica por séculos de exploração predatória e reconhecer o direito de comunidades vulneráveis – indígenas, quilombolas e populações periféricas – à sobrevivência digna. No entanto, se a COP 30 se limitar à retórica ambiental embrulhada em interesses corporativos, será mais uma folha seca num vendaval de omissões que nos trouxe até aqui.
Este ano, portanto, não é apenas um ponto no calendário; é um teste histórico. O País tem a oportunidade de demonstrar maturidade institucional e compromisso com a humanidade. Justiça climática, fortalecimento democrático e enfrentamento ao racismo não são bandeiras de nicho: são os alicerces de uma civilização minimamente decente. A pergunta que nos cabe fazer – com a sobriedade de quem conhece as armadilhas do poder – é: estará o Brasil à altura dessa tarefa?