O retorno dos ataques especulativos e profecias autorrealizáveis do século passado

por Maria Luiza Falcão Silva

O editorial da Folha de São Paulo de sábado, 21 de dezembro de 2024, se tornou conversa de mesas de bares, de tradicionais mesas de pizzarias de domingo de famílias brasileiras, causando indignação e preocupação em muitos, uma vez que sugere perigos de “hiperinflação”, caos na economia e outras tragédias  justo na antevéspera de um Natal que só trazia notícias boas: economia em crescimento excedendo todas as expectativas do ‘mercado’; desemprego em níveis muito baixos; compras de Natal trazendo boas perspectivas para o comércio, embora os preços das mercadorias tenham permanecido em patamares um pouco mais altos; transportes aéreos e terrestres  superlotados, indicando que as pessoas estão viajando; restaurantes lotados; hotéis com ocupação nas alturas, etc.

Este editorial nos remete a 25 de maio de 1997, um dia de domingo, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando, em editorial do mesmo veículo de comunicação assinado por Celso Pinto, éramos alertados para as fortes chances de sofrermos um ataque especulativo: “as chances de um ataque especulativo aumentam. Se os investidores externos se convencerem de que virá uma desvalorização no final de 1998 ou início de 1999, é provável que retirem seu dinheiro meses antes. E se todos saírem ao mesmo tempo, corre-se o risco de haver uma desvalorização como profecia autorrealizável.”

A situação hiperinflacionária que prevaleceu em inúmeros países da América Latina, nos anos 1980 e, em alguns casos, ainda nos anos 1990, apesar das inúmeras tentativas, fracassadas, de controlar os agregados monetários — como sugeriam os ortodoxos ‘monetaristas’, terminou conduzindo à implementação de programas de estabilização que utilizaram a taxa de câmbio como âncora nominal. Argentina e Brasil figuram entre esses países e suas experiências foram amplamente examinadas. No caso do Brasil, estamos tratando da experiência de controle de inflação engenhoso que, indiscutivelmente, foi o Plano Real de 1994. O Plano Real era ancorado no câmbio.

Naquela ocasião, o Brasil possuía um real sobrevalorizado em relação ao dólar em algo em torno de 20% a 30%, resultado de uma economia dolarizada a um cambio praticamente fixo e irreal, que somente Gustavo Franco, então presidente do Banco Central (BC), defendia. Estava em funcionamento uma banda cambial com limites bem estreitos em torno de R$ 1,00 = US $ 1, ou seja, um real comprava um dólar e todos intuíam que a desvalorização era eminente. Naquele momento, o montante de reservas internacionais era de cerca de US$ 55 bilhões; havia um déficit em transações correntes de 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e as eleições de 1999 apontavam para a reeleição de FHC.  Franco pediu demissão do BC em janeiro de 1999, quando o governo, logo após a reeleição de FHC, decidiu flexibilizar o regime de bandas cambiais, diante da sangria das reservas internacionais para manter o câmbio quase fixo.  

Quando assumiu a presidência do Banco Central, em 1997, Franco sugeriu que as âncoras cambial e monetária do Plano Real seriam “para sempre”. Posições como essa valeram a Franco a condição de inimigo preferencial dos críticos da política econômica que, embora bem-sucedida no controle da inflação, dependia de juros altos e pouco crescimento econômico. Franco não estava de todo errado sobre o conservadorismo da política econômica brasileira que se mantém até os dias de hoje.

O tripé macroeconômico foi implantado em 1999 e defende um superávit primário e, portanto, “responsabilidade fiscal”. Estabelece também meta de inflação e câmbio flutuante. Implica, portanto, em um regime macroeconômico com nível elevado de taxa de juros para conter “demanda” e de tabelinha a inflação e livres movimentos de capitais ao sabor do qual se movimenta a taxa de câmbio. Quando a taxa de juros é alta os capitais externos fluem para o país acomodando déficits crônicos em transações correntes e mantendo a taxa de câmbio em geral sobrevalorizada. Programas de estabilização combinados com influxos de capitais volumosos, intermediados por sistemas bancários frágeis ameaçam gerar situações de sobrevalorização da moeda nacional e, eventualmente, ao colapso da moeda.

O sistema de metas de inflação, adotado em vários países a partir da década de 1990, caracterizavam-se pelo (i) comprometimento em alcançar uma meta de inflação previamente estabelecida e amplamente divulgada, pela (ii) utilização da inflação esperada como uma meta intermediária, e pelo (iii) alto grau de transparência, através de um canal de comunicação entre a autoridade monetária e os agentes econômicos, onde cada ação de política monetária deve ser explicada e os agentes devem sinalizar as suas expectativas futuras. O instrumento de política monetária é a taxa de juros nominal, por meio da qual a taxa de juros real pode ser controlada, dadas as expectativas de inflação dos agentes, monitoradas pela autoridade monetária. A taxa de juros reage às variáveis-objetivo, que em geral são a inflação e o produto, por intermédio da função de reação. Entender o mecanismo de transmissão da taxa de juros para as demais variáveis é fundamental para capturar os efeitos da política monetária.

O mecanismo de transmissão da taxa de juros para a inflação ocorre via demanda agregada e taxa de câmbio. De acordo com a “ótica convencional”, elevações na taxa de juros tendem a inibir a demanda agregada e aumentar o fluxo de capitais, com consequente apreciação cambial. Apesar de funcionar bem em economias industrializadas, a aplicabilidade deste segundo canal de transmissão a economias emergentes tem sido questionada desde esse período.

A inclusão no modelo de variáveis como a dívida pública e o prêmio de risco podem mudar radicalmente a ótica convencional do mecanismo de transmissão. Favero e Giavazzi (2003) e Blanchard (2004) analisando o caso específico da economia brasileira do segundo governo de FHC sugerem que a elevação na razão dívida/PIB, decorrente da elevação na taxa de juros, tenderia a aumentar a percepção de risco dos agentes e, consequentemente, a probabilidade de default. Como há alta correlação entre o prêmio de risco e a taxa de câmbio, ocorreria uma depreciação, ao invés de apreciação cambial. Neste caso, haveria uma situação de dominância fiscal, em que a política monetária seria ineficaz para controlar a inflação, em decorrência de desequilíbrios na política fiscal.

Aparentemente é exatamente o que está acontecendo. Aumentos exagerados na taxa de juros não têm tido qualquer efeito sobre a inflação no curto prazo. Aumentaram sim a percepção dos investidores de que esses aumentos vão fazer crescer a dívida pública e com medo de default tocam em debandada. Expectativas alimentadas pela propaganda negativa dos perdedores das eleições passadas, pelo mercado financeiro que lucra com os juros altos, pela imprensa que se guia pelas te

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Last Update: 31/12/2024