O Balanço da Saúde no Fim de Ano

por Rômulo Paes de Sousa

Junto com as festas de fim de ano, as editorias dos grandes jornais e revistas estão obrigadas a demandar os balanços sobre o vasto temário que cobre regularmente as suas páginas. Como em toda receita complexa, a pauta que os orienta possui possibilidades diversas, resultando boas ou más matérias.

A saúde é pauta obrigatória nos balanços de fim de ano. Tão certo como alguns itens no cardápio das ceias, as matérias de fim de ano trazem o fascinado relato pelos avanços tecnológicos na saúde, a propaganda paga do setor privado e as críticas ao Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, o Ano Novo nem sempre entrega as promessas tecnológicas prometidas no ano que se encerra.

Não é fácil ocupar a titularidade da pasta da saúde no Governo Federal. Parte da energia de quem assume esta posição de destaque é gasta em proteger o orçamento da saúde e o próprio cargo que ocupa. Os cobiçosos miram no bônus político em comandar um Ministério que, em 2024, contou com 223 bilhões de Reais. Eles se esquecem, entretanto, do ônus em liderar um sistema que atende todas as demandas assistenciais de mais de 170 milhões de pessoas, além de se encarregar de ações de saúde pública para toda a população brasileira, como programas de vacinação e ações de vigilância.

Um balanço honesto de final de ano há que registrar que Nísia Trindade Lima sobreviveu bem ao teste político da Esplanada. Aliás, um teste nada trivial, considerando um período em que se estabelece uma difícil organização política no país com tensões entre os poderes do Estado. Em 2024, a Ministra da Saúde resolveu suas tensões com os parlamentares, fazendo desaparecer as reclamações sobre as liberações de emendas e calando as críticas desinformadas dos parlamentares de oposição nas sessões na Câmara dos Deputados. Uma proeza e tanto para uma cientista de carreira da saúde coletiva. Uma das figuras mais decisivas no combate à pandemia de COVID-19, já se converteu na mais longeva titular da pasta da saúde dos últimos 10 anos.

O Ministério da Saúde tem recuperado a funcionalidade e credibilidade dos programas de saúde e do próprio SUS, mas ainda existem problemas complexos que precisam ser enfrentados. Assim sendo, não é possível prescindir de uma gestora íntegra com equipe competente e comprometida com o SUS.

De qualquer forma, as matérias de final de ano cobram a atual gestão por uma marca de governo, pela logística na distribuição de vacinas e medicamentos e pela estratégia no enfrentamento de epidemias, sobretudo a dengue.

Para quem acompanha com atenção os anúncios do Ministério da Saúde não há dúvidas de que programa inovador de maior impacto no SUS deverá ser o Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE), que pretende aumentar o acesso a consultas e exames especializados, reduzindo o tempo de espera. Em 2024, todos os estados e 97,9% dos municípios aderiram ao Programa. Em 2025, o PMAE precisará mostrar os seus resultados. Trata-se de um grande desafio. Afinal, conseguir distribuir serviços de maior complexidade em um grau de razoável homogeneidade, em todo Brasil, é o que há de mais difícil em todas as áreas na gestão pública. Não será possível aferir uma mudança imediata em todo o território nacional. Contudo, é de se esperar que estados e municípios que apresentarem uma rápida consolidação do modelo – dado as condições pré-existentes e grande capacidade de adaptação – observem um aumento significativo no bem-estar da população atendida pelo SUS.

Quanto ao segundo ponto ressaltados pelos balanços comuns da mídia brasileira, em 2024, o SUS vivenciou muitos problemas para obter vacinas junto aos seus principais fornecedores nacional e internacional. Um estudo realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) apontou fragilidades na distribuição de doses nos municípios brasileiros. O relatório da CNM indicou desabastecimento de doses contra varicela, COVID-19 (para adultos e para crianças) e DPT (Difteria, Tétano e Pertussis), em 12 de dezembro de 2024. O caso mais grave reportado que é o da varicela que teria afetado 1,5 mil dos 2,9 mil municípios pesquisados.

O próprio Ministério da Saúde apontou uma distribuição mais restrita de imunizantes para todas as doenças imunopreveníveis em 2024 na comparação com o efetuado ano anterior. Neste ano, teriam sido distribuídas 275,2 milhões de doses de vacina, quando no ano passado foram distribuídas 330 milhões de doses, perfazendo uma redução de 18,3%.

Apesar disso, o governo Lula registra um aumento de cobertura vacinal de 15 das 16 vacinas para as crianças. Inclusive, em 2024, a Organização Mundial da Saúde restituiu ao Brasil o certificado de país livre de sarampo, rubéola e síndrome da rubéola congênita, que havia perdido em 2019 devido aos erros na implementação em seu programa de vacinação. Esses problemas levaram o Brasil ao posto de um dos 20 países com mais crianças não-vacinadas. Não temos mais que passar por este descrédito.

Sobre a dengue, a epidemia foi mais brutal do que o próprio Ministério esperava. Tivemos quase 6 mil óbitos devido a doença. As alterações climáticas cobraram o seu preço sobre a saúde da população, tendo exigido mais dos governos. Embora tenha realizado várias iniciativas no enfrentamento da doença, muitos autores dos balanços de final de ano jogaram toda a responsabilidade sobre da gestão do Ministério da Saúde. Rivaldo Venâncio da Cunha, que é pesquisador da Fiocruz e uma das grandes referências no país sobre o tema, é o atual Secretário Adjunto da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Ele argumenta que esses críticos desconhecem “as responsabilidades de cada um dos três níveis de gestão do SUS, em especial na elaboração e execução de ações concretas direcionadas para a redução dos impactos das arboviroses. Ao desconhecer as responsabilidades de cada nível de gestão [colocam] sobre os ‘ombros’ do Ministério da Saúde toda a ‘culpa’ pelo que vivenciamos em 2024 com as arboviroses.”

A gestão do SUS é complexa por lidar com uma escala gigantesca, com um perfil epidemiológico diverso, uma estrutura demográfica e um padrão de determinantes de saúde que rapidamente se transformam, e uma brutal desigualdade regional e social, tanto na demanda, quanto na oferta de bens e serviços de saúde. Esse quadro exige uma abordagem técnica e transparente, que mobilize o melhor conhecimento disponível e não se descuide do minado campo político em que pisa. A gestão atual compreendeu o contexto e soube operar sobre ele. Ela acertou na maioria das vezes e foi transparente e honesta em seus erros. O meu balanço, portanto, é que a gestão do Ministério da Saúde, em 2024, foi positiva.

O ano de 2025 promete ao Brasil boas entregas na saúde. No mais, que venham os fogos de artifício dissipar o vapor do ano que se encerra.

Rômulo Paes de Sousa – Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva

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Last Update: 31/12/2024