Esposa de um general, cunhada de um desaparecido político, filha de um fundador do PDT de Minas Gerais, Maria Elizabeth Rocha, ministra do Superior Tribunal Militar há 17 anos, fez história ao ser eleita a primeira mulher a presidir a corte castrense pelos próximos dois anos. Na última sexta (27), o canal TV GGN transmitiu entrevista exclusiva com a nova presidente do STM [assista abaixo], que falou, com uma visão garantista e humanizada, sobre golpe militar, democracia, o papel histórico da instituição, criminalidade, formação dos militares, racismo estrutural e outros temas pautados pelo jornalista Luis Nassif.

O STM é o mais longevo tribunal do país, criado em 1808 por Dom João, quando este ainda era príncipe regente no Brasil colonial. Seu papel é julgar crimes militares (matéria penal) praticados por membros das Forças Armadas e civis. A corte especial não tem tribunais intermediários, ou seja, seus recursos vão diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Já a Justiça Militar nos estados funciona com distinções: julgam crimes militares e administrativos (penal e cível) praticados somente pelos membros das policiais militares e do corpo de bombeiros.

Na entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, a nova presidente do STM defendeu a imagem da instituição que vai comandar entre 2025 e 2027, bem como sua atuação durante o regime militar. A ministra declarou que os militares, via de regra, “sempre foram legalistas”, a despeito do rompimento constitucional que se deu em 1964, episódio que ela chamou de “apocalipse”.

Segundo Maria Elizabeth, são exceções os militares que apoiaram a tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro em 2022. O então comandante da Marinha, Almirante Garnier, foi um dos conspiradores e hoje encontra-se preso. De acordo com a ministra, a despeito do envolvimento de Garnier, “o almirantado [em geral] sequer tomou conhecimento desse plano escabroso”.

Para a ministra, o 8 de Janeiro deixou lições sobre democracia, assim como as novas da revelações da Polícia Federal a respeito do plano de golpe de 2022, que envolveu tentativa de assassinato de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin. Esses fatos ensinam que “a democracia nunca está pronta e acabada. Ela tem que ser vigiada permanentemente, construída diariamente”.

Na visão da magistrada, a fragilidade da democracia brasileira tem relação com o racismo estrutural, com a sociedade patriarcal e heteronormativa que foi construída pelas elites do país, e que ainda hoje deixam cicatrizes profundas na população e nas instituições.

“Eu realmente acreditei, quando a Constituição de 1988 foi promulgada, que estávamos virando uma página da história. Mas eu vi que não. E eu fico assustada quando a juventude fala em autoritarismo e pede intervenção militar, porque essa juventude não conheceu o que é o autoritarismo, as dores e mazelas de um estado autocrático”, declarou.

A ministra também comentou o recente julgamento de militares acusados pela morte de um músico e um catador de recicláveis no Rio de Janeiro. Para ela, a redução da penas dos envolvidos versa contra a imagem do STM. As vítimas foram alvejadas por 257 tiros, mas a maioria dos ministros da corte entendeu que o homicídio do catador foi culposo e não doloso. Já no caso do músico, o STF entendeu de não havia como afirmar que o tiro que o matou partiu dos militares.

“Acho que foi ruim para a Justiça Militar. (…) o fato é que mesmo que aquele músico e aquele catador fossem meliantes, como a tropa se referiu a eles, não é assim que uma pessoa deve ser tratada pelo Estado. Quando um criminoso infringe a lei, ele deve ser acusado, julgado, absolvido ou condenado, cumprir sua pena e ser depois reinserido. Isso é o que o estado de direito proclama, mas, infelizmente, o Estado brasileiro está adoecido com a criminalidade, então acha que bandido bom é bandido morto”

Confira os principais pontos da entrevista abaixo:

O STM na ditadura e a omissão do MP Militar

A sociedade civil pouco conhece a atuação da Justiça Militar na ditadura. É lamentável, porque nos criticam muito – e acho que todas as instituições merecem críticas, é assim que nos aperfeiçoamos – mas também merecíamos aplausos. E os aplausos não vêm. Durante a ditadura, foi o Superior Tribunal Militar que concedeu a primeira liminar em habeas corpus, que serviu de precedente para o STF. Quando o AI-5 acabou com habeas corpus para crimes políticos, o STM criou o chamado direito de petição que os grandes advogados da Nação dizem que salvou muitas vidas porque identificavam onde os presos estavam, que não poderiam desaparecer nem serem assassinados.

O STM garantiu a liberdade de imprensa quando disse que palavras chulas, mesmo expressas de forma vulgar, não constituíam crimes contra a segurança nacional, se referindo especificamente ao Pasquim.

Quando o AI-5 quebrou a comunicabilidade dos presos com seus advogados, o STM autorizou que houvesse esse contato.

O direito às greves, quando reivindicavam melhorias salariais, o STM assentou que não configuravam crimes contra a segurança nacional.

E, por fim, foi o único tribunal pátrio que assinou, num acordão subscrito à unanimidade – por todos os generais, almirantes, brigadeiros e civis -, que as torturas e sevícias eram inaceitáveis.

É lógico que o STM tinha noção das torturas – até porque fui eu, na minha primeira presidência, que mandei degravar as sessões secretas e passar para a mídia digital. Mas quem deveria agir não era o STM, mas o Ministério Público Militar. O Judiciário só age quando provocado, não de ofício. Era preciso que o Ministério Público Militar apresentasse as denúncias de torturas e sevícias que ocorriam dentro dos quartéis, no DOPS e outros locais, e isso nunca foi feito.

STF, ocultação de corpos e Lei da Anistia

Eu sou interessada [na decisão do ministro Flávio Dino que trata ocultação de corpos como crime continuado]. O meu cunhado estava na luta armada e é desaparecido político. Ele se chama Paulo Costa Ribeiro Bastos. Ele desapareceu com 27 anos. Meu marido, na época, era um major com 29 anos. Meu sogro era um general. Mas a dit

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Last Update: 28/12/2024