No dia 26 de dezembro, foi publicado no jornal O Globo um texto de Igor Sabino, funcionário do lobby sionista StandWithUs Brasil, sob o título Por que tanta confiança nos dados do Hamas?, no qual seu autor busca desacreditar os dados apresentados pelo Ministério da Saúde de Gaza.
Segundo o autor, os números de “mais de 44 mil pessoas foram mortas” não mereceriam credibilidade porque não fazem distinções de civis e de militares.
Ele também menciona supostos equívocos nos números de mortes durante assédios israelenses em 2009 e 2014 como razões para desconfiar dos dados oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde de Gaza desde 7 de outubro, além de apresentar dados que mostram que 98% de matérias em jornais analisados pelo think tank Henry Jackson Society utilizam os dados do Ministério da Saúde de Gaza, mas apenas 3% fazem a distinção entre militares e civis. O autor ainda recorre a dados de Israel para afirmar que entre 17 mil e 20 mil mortos pertenciam ao Hamas.
Felizmente, não dependemos mais exclusivamente da imprensa tradicional pró-imperialista para compreender o que ocorre no mundo atualmente. Mesmo em redes sociais como o Instagram e o Facebook, em que a censura é mais forte contra conteúdos a favor dos palestinos, assim como em redes sociais como o X, vídeos vindos diretamente da Palestina continuam surgindo em tempo real e escancarando o genocídio. Essas imagens revelam uma devastação muito maior do que aquela que os discursos oficiais tentam transmitir à população.
O questionamento do autor do texto é cínico. Mesmo que os dados do Ministério da Saúde de Gaza estivessem imprecisos — como será discutido mais adiante —, imaginemos, por exemplo, que Israel tivesse matado 30 mil pessoas em vez de 45 mil. O que isso mudaria, exatamente? Trata-se apenas de uma questão de números? Seria aceitável, por exemplo, que um outro país bombardeasse o Brasil e tirasse a vida de 30 mil pessoas? Qual seria o critério para definir um número “aceitável” de mortes em um genocídio?
A afirmação sobre a falsidade dos números se dá pois não é possível negar o genocídio como um todo. É preciso dizer que os números estão errados, pois, como dissemos acima, basta ver os vídeos das cidades da Faixa de Gaza e veremos uma destruição de proporções inéditas. Praticamente toda a infraestrutura da região está sob escombros e todos os hospitais da região norte foram destruídos. O último deles, o hospital Kamal Adwan, destruído poucas horas antes do fim desta matéria.
Por outro lado, apesar de querer colocar em dúvida os dados oficiais por serem do Hamas, Igor Sabino não coloca em dúvida os supostos 17 ou 20 mil combatentes do Hamas assassinados, por se tratar de dados vindos de “Israel”. Isso vindo de uma entidade que mente descaradamente o tempo todo. Inicialmente, “Israel” tentou fabricar a ideia de que o Hamas teria decapitado 40 bebês, teria assassinado pessoas em uma rave, estuprado mulheres israelenses, assassinado mais de 1200 pessoas. Tudo comprovadamente falso, tanto é que dificilmente essas afirmações figuram na imprensa favorável a “Israel” hoje em dia e, quando aparecem, não têm o impacto que o de logo depois de 7 de outubro.
Ao contrário de “Israel”, o Ministério da Saúde de Gaza vem divulgando o nome dos mortos, quando identificados. Em quem, portanto, confiar mais? Em quem vem mentindo desde o dia 7 de outubro, ou quem, apesar das dificuldades gritantes, divulga inclusive os nomes das vítimas?
No que diz respeito a esconder o número de militares mortos, a ideia também é cínica. Não há militares na Palestina, já que os palestinos não conseguiram o direito de construir um Estado. Talvez o articulista não saiba, mas até hoje se discute a chamada “solução de dois Estados” na ONU, que daria o direito aos Palestinos de construírem um Estado próprio, com um exército, mas também oficializaria a ocupação israelense como um país.
Sendo assim, se não há Estado, não há forças armadas. Portanto, todos os palestinos assassinados são civis, independentemente de se são membros do Hamas, da Jiade Islâmica, da Fatá, de outro grupo militante palestino ou se não fazem parte de nenhum grupo político. Todos os assassinados por “Israel”, em combate ou não, são civis, ainda que vejamos vídeos que demonstram que preferencialmente “Israel” prefira assassinar mulheres e crianças.
Em outra parte de seu texto, Igor argumenta que a maioria dos mortos são homens entre 15 e 45 anos de idade, citando dados do think tank já mencionado. Para Igor, essa seria a idade dos combatentes do Hamas. No entanto, o autor do texto não percebe que deixa cair a máscara ao tentar desmentir os dados fornecidos pelos palestinos, já que, por sua avaliação, bastaria que uma pessoa fosse um homem nessa faixa etária para, automaticamente, ser associado ao Hamas e, portanto, poder ser assassinado como um terrorista. Ainda assim, os dados são falsos, com dados da própria ONU do começo de novembro afirmando que 70% das pessoas mortas são mulheres e crianças.
Porém, se há uma coisa que o texto pode ter razão é que não se pode confiar nos números apresentados, mas por estarem aquém dos números reais. Isso porque, como dissemos anteriormente, os palestinos não têm um Estado e vivem sob condições miseráveis, o que faz com que seja difícil conseguir todos os dados sobre o número de assassinados por “Israel”.
Um estudo publicado pela revista médica Lancet no começo de julho deste ano afirmava que o número de mortos na Faixa de Gaza devia ser superior ao de 186 mil pessoas, contando os assassinados diretamente por “Israel”, aqueles que padeceram pela fome, os que morreram por doenças tratáveis, aqueles que foram dados como desaparecidos e podem estar em valas comuns que ainda não foram encontradas ou sob os escombros, além de muitas outras causas.
Por fim, Igor Sabino questiona o porquê de se dar “mais credibilidade ao que é divulgado por um grupo terrorista que iniciou o conflito que ao país que busca se defender”. Em primeiro lugar, como dissemos acima, “Israel” não é também um país, mas sim, a colonização da Palestina pelo imperialismo de conjunto, o que, segundo as próprias leis internacionais, não dá o “direito de defesa” de Israel em relação aos palestinos, que são o povo colonizado. Os palestinos, sim, têm o direito de defesa em relação a “Israel” e, segundo o direito internacional, podem exercer esse direito de maneira armada ou de qualquer outra maneira que seja necessária.
O que Sabino tenta fazer é rebaixar os palestinos ao nível de animais, sem direito à defesa. Não são humanos para ele e, portanto, qualquer tentativa de defesa é vista como um ato de barbárie, enquanto que “Israel”, que bombardeia indiscriminadamente não só a Palestina, mas o Líbano, o Iêmen – o próprio presidente da Organização Mundial da Saúde quase foi assassinado por “Israel” no aeroporto de Sanaa – e agora a Síria, seria a vítima que tenta se proteger. Mas para ele os terroristas são os palestinos.