Os ataques do Hamas e as ações militares de Israel após 7 de outubro de 2023, principalmente o genocídio em Gaza, repercutiram significativamente na ordem regional, marcando o fim de uma longa década após as revoltas árabes. A Questão Palestina reassumiu a centralidade tanto nas relações entre os países do Oriente Médio como na dimensão global, reavivando a tensão sempre presente entre regimes e povos. O fim do regime de Bashar al-Assad na Síria, em 8 de dezembro de 2024, é outra consequência das revoltas iniciadas nesse país em 2011 e que colocam a região em novas configurações geopolíticas.
A Questão Palestina voltou ao centro das tensões regionais.
Com a queda do regime sírio, houve comemorações efusivas em Israel, com a ideia de que praticamente havia chegado ao fim a presença do Irã no Levante. Mas não é menos relevante notar que, de certa forma, a Turquia chegou à fronteira de Israel, já que o HTS tem se configurado como um proxy de Recep Erdogan. Se é verdade que o presidente turco se caracteriza muito mais por sua retórica antissionista do que por ações concretas, é bem provável que o novo governo rejeite a anexação das Colinas de Golã por Israel e não deverá permanecer neutro em relação à Questão Palestina.
De Barack Obama a Donald Trump e Joe Biden, os EUA tinham como objetivo principal a remoção de Assad do poder. Com o novo momento, o que se pode esperar do governo Trump? Poderão os Estados Unidos continuar a defender os seus interesses no Médio Oriente com um menor nível de envolvimento militar e político ou deverão almejar retomar papel de liderança na ordem regional?
Obama tentou concentrar seus esforços de política externa no Leste asiático, buscando frear a ascensão da China. Com isso, os EUA paulatinamente diminuiriam sua presença militar no Oriente Médio e Norte da África. Obama teve destaque, por exemplo, em levar adiante um acordo nuclear com o Irã, assinado em 2015 e que resultou na diminuição das sanções econômicas ao país. Contudo, as revoltas árabes e suas consequências − a intervenção da Otan na Líbia, a Guerra na Síria e a ascensão do Estado Islâmico, entre outras − frustraram os planos de Obama e reforçaram a presença dos EUA na região.
Os Acordos de Abraão resultaram numa maior aproximação entre os signatários, principalmente nos campos da segurança e tecnologia. Como resultado do acordo de livre-comércio, as trocas entre Israel e os Emirados Árabes atingiram 3 bilhões de dólares em 2023.
Biden, em geral, manteve o padrão de Trump. Mais importante foi, no entanto, a postura do democrata após 7 de outubro de 2023. Desde o início do genocídio em Gaza, os Estados Unidos patrocinaram Israel com 17 bilhões de dólares em apoio militar e prometeram um pacote de mais 8,7 bilhões em setembro de 2024.
Contudo, o genocídio em Gaza paralisou essas negociações. Em pesquisa de opinião realizada com parte da população saudita, no fim do ano passado, 96% responderam não ser a favor da normalização com Israel. A pressão da “rua árabe” geralmente traz efeitos para a reorientação das políticas externas das monarquias regionais. A novidade é que a monarquia saudita elencou a criação de um Estado palestino como requisito para a normalização com os israelenses.
Além disso, a Arábia Saudita tem explorado com habilidade essas disputas pela hegemonia no território. Nos últimos anos, o reino saudita tem fortalecido as relações não apenas com a Rússia, mas também com a China, atualmente a grande ameaça à hegemonia econômica dos EUA. As exportações chinesas para a Arábia Saudita caminham para um recorde, com 40,2 bilhões de dólares nos primeiros dez meses de 2024, acima dos 35 bilhões do mesmo período do ano passado.
Os investimentos sauditas no setor de petróleo e gás da China, bem como o investimento chinês no setor de energia renovável saudita, estão impulsionando a expansão do comércio. Essa cooperação econômica se intensificou a partir de março de 2023, quando a China realizou o processo de distensão entre a Arábia Saudita e o Irã.
Em setembro de 2020, na ocasião da assinatura dos Acordos de Abraão, Trump declarara que, “após décadas de divisão e conflito”, marcava-se “o amanhecer de um novo Oriente Médio”. Mais de quatro anos depois, o republicano volta à Presidência em um novo contexto geopolítico, muito distante da estabilidade que havia imaginado.
Independentemente do novo contexto, o próximo presidente dos EUA tem mantido a mesma avaliação que fez a respeito da atuação do país na região durante sua campanha eleitoral de 2016. Naquela ocasião, descreveu a ocupação norte-americana no Afeganistão como desperdício de dinheiro, e assim que assumiu o governo deu início às conversações diplomáticas com o Taleban para a retirada das tropas. Diante dos acontecimentos recentes, com a queda do regime de Assad, Trump disse que a Síria está um caos e que Washington não deve envolver-se.
O transnacionalismo, termo empregado para definir a ação internacional de Trump, não segue propriamente nenhuma diretriz político-militar conectada a uma grande estratégia. De acordo com o seu ethos comercial e político, o que interessa é o que ele tem a ganhar em uma transação específica, não importando objetivos de médio e longo prazo. Por isso, avaliamos que Trump priorizará, fundamentalmente, dois eixos de ação que de alguma forma sempre se relacionam mais às ferramentas econômicas do que propriamente aos instrumentos geopolíticos. De um lado, voltará a usar a “pressão econômica máxima” contra o Irã. De outro, retomará os Acordos de Abraão, buscando incluir mais monarquias do Golfo, especialmente a Arábia Saudita. Por fim, provavelmente reviverá o Plano Kushner para a Palestina: uma “proposta de paz” fraudulenta e que diz mais respeito ao avanço das anexações e assentamentos israelenses do que a um futuro Estado palestino soberano e independente. Nessa dinâmica, é muito provável que os palestinos não tenham qualquer contrapartida, que Gaza permaneça uma terra arrasada, e que as relações especiais entre EUA e Israel se mantenham como são há décadas. Todavia, é fato também que as lutas contra forças hegemônicas também têm aumentado, seja no Oriente Médio ou na própria sociedade norte-americana. A turbulência no Oriente Médio deverá manter-se em novas configurações geopolíticas.
Publicado na edição n° 1343 de CartaCapital, em 31 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Barril de pólvora’