O golpe de Estado na Síria, organizado pelo imperialismo e utilizando de base a Al-Qaeda (renomeada de HTS), não pode deixar de ter o tradicional apoio da esquerda pequeno-burguesa, conhecida por defender os golpes imperialistas. Tino Burgos publicou o texto Muitas incertezas e uma certeza: Rojava deve sobreviver no portal Esquerda.Net. O foco são os curdos de Rojava, mas o texto faz uma análise da conjuntura da Síria. Nele, o Eixo da Resistência, que luta contra o genocídio em Gaza, é retratado como o grande vilão; já os Estados Unidos mal são denunciados.

No começo, o artigo afirma: “o efeito de conflitos como o da Ucrânia e a ofensiva israelita na sequência dos atentados do Hamas, em outubro de 2023, foram repetidamente citados para explicar o enfraquecimento dos aliados em que o regime de Bashar se apoiava. Com efeito, tanto a Rússia, atolada na sua guerra na Ucrânia, como o Irão e a milícia libanesa Hezbollah têm dificuldade em manter inalterado o funcionamento das alianças tradicionais”.

Essa análise já se demonstrou falsa, pois a queda de Assad se deu não por falta de capacidade de apoio dos russos e iranianos, mas sim porque ele tentou sobreviver sem o apoio desses aliados. Tentou se equilibrar nas monarquias árabes, que o traíram.

Aqui, é preciso destacar o caráter reacionário do autor por colocar a Operação do Hamas no dia 7 de outubro, uma das maiores vitórias dos oprimidos no planeta, como “atentado”. Da mesma forma, colocar o Hesbolá como uma “milícia” é a linguagem do sionismo. O Hesbolá é o partido mais popular do Líbano.

O texto segue taxando o governo Assad de ditadura: “o legado deixado pelo Ba’ath [partido de Assad], tanto na Síria como no Iraque, é o estabelecimento de regimes repressivos severos que sufocaram a sociedade civil, causando milhares de mortes”. É, mais uma vez, a política do imperialismo. Ao invés de destacar o caráter nacionalista, os choques com “Israel”, as reformas que desenvolveram o país, o autor está mais preocupado com a “democracia”.

Então, ele repete a propaganda imperialista contra Assad: “o islamismo tornar-se-á o protagonista da insurreição, dando continuidade à tradição da revolta contra o poder. Recorde-se que, em 1982, uma revolta civil em Hama, orquestrada pela Irmandade Muçulmana, causou nada menos que 20.000 mortos. Algumas fontes duplicam este número”. Não foi o “islamismo” o protagonista da “insurreição”, foram os norte-americanos que enviaram bilhões de dólares para financiar a guerra contra Assad. A Irmandade Muçulmana não teve participação nesse movimento, ele foi liderado pelos salafitas ligados à Arábia Saudita, incluindo o Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda.

Ao mesmo tempo, os partidos islâmicos anti-imperialistas foram essenciais para vencer a guerra na sua etapa mais violenta. O Hesbolá, as Forças de Mobilização Popular do Iraque e a própria República Islâmica do Irã. Mas o autor considera isso uma espécie de intervenção estrangeira. “O poder blindou-se por detrás do chamado ‘Eixo da Resistência’ com o Irão, a Rússia, o Hezbollah e o apoio ao Hamas. Seguiu-se uma luta narrativa que continua até aos dias de hoje. O governo sírio alegou estar a lutar contra o terrorismo islâmico, mas fê-lo com uma repressão implacável, bombardeando até à exaustão as cidades controladas pela oposição”.

Ou seja, assim como o Hamas praticou “atentados” o Eixo da Resistência é tratado não como uma resistência real, mas como algo nefasto. As cidades controladas pela “oposição” armada financiada pelos EUA não poderia ser bombardeadas. Ou seja, o autor defende que o imperialismo deveria ter sido vitorioso ainda em 2015!

Uma falsa defesa dos curdos

Então, ele chega ao ponto sobre os curdos: “a maldição geopolítica colocou o povo curdo na Síria numa situação especialmente delicada. Confrontado com a Turquia, com os diferentes integrismos religiosos: a variante xiita iraniana que renega os curdos no Irã e os enfrenta com o governo sírio de Bashar e os seus aliados libaneses do Hezbollah. Confrontada também com o fundamentalismo religioso sunita nas suas variantes turca, saudita ou do Qatar, a sua sobrevivência passa por impulsionar uma política de participação política democrática com abordagens multiétnicas que fomentem a integração ativa das mulheres num contexto cultural de negação destes direitos e por impulsionar iniciativas de sensibilidade ecológica numa região onde a emergência climática será fundamental nos próximos anos”.

E, mais uma vez, a força política mais importante de todas não é citada, os EUA. É o típico argumento imperialista da esquerda: “todos os países oprimidos são, na verdade, os opressores, e não vamos falar sobre o imperialismo”. A chaga dos curdos não é a “maldição geopolítica”. Eles, como todos os povos do mundo, têm como principal problema o imperialismo. No caso curdo, eles foram usados como bucha de canhão pelos EUA para atacar o governo Assad. Agora que o governo Assad caiu, correm risco de serem massacrados pela Turquia.

A situação dos curdos durante a guerra civil realmente era difícil, mas é ridículo acreditar que a única opção que eles possuíam era virar lacaios dos EUA. Eles certamente poderiam ter se aliado ao Irã e ao Eixo da Resistência e, assim, terem ganhado força para se reintegrar à Síria de Assad numa situação melhor. Mas a direção do movimento se vendeu para os EUA, e isso nunca será uma forma real de libertação.

A campanha contra o Irã também é absurda. É óbvio que a melhor realidade dos curdos no Oriente Médio é a dos que vivem no Irã. O país tem dezenas de milhões de pessoas que pertencem a alguma minoria étnica e todas elas têm representação no parlamento e têm seus direitos respeitados. O Irã, inclusive, é onde está a maior população de judeus nativos do Oriente Médio. A aliança com os EUA, portanto, não era uma necessidade, foi uma traição da direção dos PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) à luta por sua emancipação.

O texto conclui: “aquilo a que a Turquia chama uma guerra especial é uma luta contra as aspirações do povo curdo. Esta guerra é uma combinação híbrida de abordagens militares, culturais, económicas e políticas. O objetivo é impedir a consolidação da autonomia administrativa no nordeste da Síria e a implementação de processos de reconstrução, bombardeando e destruindo qualquer progresso que possa conduzir a uma melhoria das condições de vida da população civil, com o objetivo de a encorajar a emigrar e a abandonar as suas terras ancestrais. Per

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Last Update: 25/12/2024