Reinvenções Baudelairianas: performance instrumental de Botequim. Este é o título do álbum que acaba de chegar nas plataformas digitais e é o primeiro resultado de um projeto ambicioso de transcrição e adaptação do clássico livro do poeta francês Charles Baudelaire, As flores do mal (1861), para o contexto brasileiro. Tal projeto se desdobra em várias iniciativas, cuja concretização está prevista para os anos de 2024 e 2025 – o lançamento de três álbuns musicais e a reedição do livro À flor do mal, de Álvaro Faleiros.
Em 2018, o professor do depto de Letras (Francês) da USP Álvaro Silveira Faleiros publicou pela editora Demônio Negro o livro À flor do mal – transpirações baudelairianas, no qual se propôs a reescrever, à luz do Brasil contemporâneo, os cem primeiros poemas de As flores do mal. Sobre a nova versão do livro, a ser lançada em 2025, ora intitulado A flor e o mal, escreveu em seu prefácio o poeta Leonardo Fróes: “Após o legado de Gregório de Mattos, que herdamos do século XVII, nunca talvez tenha surgido na literatura brasileira um conjunto de poemas satíricos tão homogêneo, sofisticado e contundente quanto o de A Flor e o Mal, de Álvaro Silveira Faleiros”.
Em 2020, Faleiros selecionou poemas de À flor do mal para que o prof. do IEB-USP, Paulo Iumatti – que então atuava como professor na Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris –, os musicasse. Iumatti criou um conjunto de canções ou quase canções, mantendo a possibilidade de construção camerística, inspirada em obras como O Indelével Prenúncio das Águas (2015), de João Marcondes e a Orquestra Camerística de Botiquim. Para a elaboração dos arranjos foi chamado então o próprio João Marcondes, que, entre 2020 e 2022, se dedicou ao trabalho.
Em 2022, ocorreram as gravações do projeto por um noneto de músicos da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). No ano seguinte, foram gravadas as primeiras vozes e ajustadas as letras, uma vez que os poemas também foram reescritos ao longo dos anos. Já em 2024, o projeto ganhou as percussões, violões e cavacos do próprio João Marcondes, assim como as vozes definitivas gravadas por Paulo Iumatti (canto) e Álvaro Faleiros (recitações).
O álbum transita entre o erudito e o popular, o acústico e o eletrônico, a tonalidade e o ruído, a canção e sua subversão, contendo oito peças musicais, sendo quatro delas cantadas (“Aurora espiritual”, “Carrasco de si mesmo”, “Gigante” e “Serpente esperança”), e quatro instrumentais e permeadas por recitações (“Inteirinha”, “Bicho doido”, “Fantasma”, “Das profundezas clamo a ti”).
Ao longo do projeto, foi considerada a extensa tradição de versões musicais de As Flores do Mal, para o que foi importante o diálogo com os estudos do prof. Eduardo Horta Nassif Veras, um dos maiores especialistas em Baudelaire do Brasil, e que desde 2023 desenvolve pesquisas de pós-doutorado sob a supervisão de Álvaro Faleiros.
As versões musicadas feitas a partir do livro, em certo sentido, sintetizam uma das dimensões importantes desse projeto poético, isto é, as interpretações satíricas de algumas figuras arquetípicas do cristianismo, como o pecado, o orgulho, a luxúria e o desejo carnal – figuras essas sintetizadas na figura da Serpente, que dá título à vertente musical do projeto como um todo. A esse núcleo temático, somam-se peças mais reflexivas sobre a condição humana em um mundo em transformação, atormentado pela destruição ambiental: “Carrasco de si mesmo”; “Fantasma”; “Gigante”, “Das profundezas clamo a ti”. São assim contemplados tanto o
FAIXAS:
- Aurora espiritual
- Inteirinha
- Carrasco de si mesmo
- Bicho doido
- Gigante
- Fantasma
- Serpente esperança
- Das profundezas clamo a ti
FICHA TÉCNICA
Direção artística e musical, arranjos e orquestrações: João Marcondes
Composições e direção artística: Álvaro Faleiros e Paulo Iumatti
Voz: Paulo Iumatti
Declamação: Álvaro Faleiros
Violão, viola, percussão, sintetizadores: João Marcondes
Violão (“Gigante”): Paulo Iumatti
Orquestra de câmera
Regência: Luís E. Corbani
Clarinete: Sérgio Burgani
Contrabaixo: Ana Valéria
Flauta 1: Rogério Wolf
Flauta 2: Stefania Corbani
Fagote: Érick Ariga
Violino 1: Tatiana Vinogradova
Violino 2: Carolina Klieman
Viola: Sarah Pires
Violoncello: Marialbi Trosíl
Orquestra de Câmera gravada no Estúdio Arsis por Adonias Júnior
Vozes, percussões, Violão, Cavaquinho e Bandolim gravados por João Marcondes no Estúdio Cancha e no estúdio na Mata
Mixagem e masterização: Adonias Júnior
Ilustração: Fernando Vilela
Composição de capa: João Marcondes
Álvaro Silveira Faleiros é professor titular em Poética da tradução na Universidade de São Paulo (USP). Poeta e tradutor, traduziu, entre outros, Apollinaire, Mallarmé e Valéry. Sua tradução de Feitiços [Charmes] de Paul Valéry foi contemplada, em 2020, com o Prêmio Paulo Rónai de melhor tradução pela Biblioteca Nacional. Foi curador da exposição O francês em todos os