A Chapada Diamantina é um dos destinos turísticos mais famosos da Bahia, conhecida por sua exuberante beleza natural. Cachoeiras espetaculares, trilhas e localidades singulares como Igatu, apelidada de ‘Machu Picchu baiana’, atraem centenas de milhares de visitantes todos os anos.
Este paraíso, contudo, enfrentam uma transformação drástica. O avanço da mineração ameaça sua biodiversidade e coloca em risco a permanência de comunidades tradicionais que habitam a região desde muito antes da Chapada se tornar famosa, alertam especialistas.
Atualmente, há mais de 2.430 processos minerários ativos na região, conforme dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), analisados pelo GeografAR, grupo de pesquisa do Instituto de Geociências da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a pedido de CartaCapital. O número reflete um aumento de 8% em relação ao ano anterior.
Morro do Chapéu lidera o ranking de atividades, com quase 350 projetos em uma cidade de pouco mais de 35 mil habitantes. Ibitiara aparece em segundo lugar, com 171 iniciativas. Já Andaraí, Lençóis e Mucugê, que foram epicentros da exploração de diamantes no século XVIII, contabilizam mais de 190 empreendimentos ativos.
Proporcionalmente, Utinga registrou o maior salto, com um aumento de quase 35% nos processos minerários em relação ao mesmo período de 2023. Iraquara e Barra da Estiva seguem com alta de 23%.
A maioria das iniciativas está em estágio inicial, focada em autorizações de pesquisa concedidas pela ANM. Essa fase permite às empresas explorar áreas sem fins comerciais para avaliar a viabilidade econômica das jazidas.
Composta por 24 municípios, a Chapada Diamantina ocupa 15% do território baiano e é considerada a “caixa d’água da Bahia”, reunindo as três principais bacias hidrográficas do estado: Paraguaçu, Jacuípe e Rio de Contas. Apesar da proteção conferida pelo status de Parque Nacional, a cobiça das mineradoras segue intensa.
Para gigantes do setor, a Chapada é vista como um laboratório de mineração do Brasil, graças à abundância de recursos que atraem empresas globais. O potencial hídrico, destacam especialistas ouvidos por CartaCapital, é um dos principais atrativos para este avanço.
Valdirene Rocha, professora do Instituto Federal da Bahia e pesquisadora do GeografAR, aponta que o movimento é impulsionado pela crescente demanda global por commodities, associada ao discurso de transição energética. No entanto, ela alerta que esse processo desconsidera impactos ambientais e ignora os direitos das comunidades locais, contrariando a Convenção 169 da OIT.
“A chegada desses empreendimentos provoca medo nas comunidades, incerteza sobre sua permanência e relatos de coação por parte de empresas. Além disso, há soterramento de rios, nascentes e a destruição de vegetação nativa”, afirma Rocha.
Um exemplo alarmante é o caso de Piatã, na parte mais alta da Chapada. Desde a instalação da Brazil Iron, em 2011, moradores de comunidades quilombolas denunciam impactos como rachaduras em casas, saúde comprometida pela poeira e o desaparecimento de rios, como o Bebedouro.
O rio Bebedouro, fonte de abastecimento de água para os moradores durante períodos de estiagem, desapareceu devido ao acúmulo de rejeitos do empreendimento. Um estudo realizado em 2020 por pesquisadores da UFBA constatou a presença de metais pesados como chumbo, fósforo, manganês e zinco nas amostras coletadas do rio.
A mineradora britânica, por sua vez, nega qualquer irregularidade ou dano ambiental. A empresa afirma operar com uma abordagem de “mineração verde”, baseada em energia renovável e menor emissão de carbono. Além disso, destaca ter identificado uma reserva de ferro “essencial para o planeta”, que seria parcialmente destinada à fabricação de trens e veículos elétricos.
Apesar de suas atividades estarem suspensas pelo Inema após 15 infrações ambientais, a mineradora britânica anunciou recentemente um investimento de 5 bilhões de reais na região. Entre os projetos estão a construção de uma siderúrgica e uma estrada de ferro de 120 quilômetros para produção de ferro briquetado, essencial para o chamado “aço verde”.
Documentos obtidos pela reportagem revelam que, apenas na Bacia do Rio de Contas, a empresa possui cerca de 41 projetos minerários autorizados pela ANM. Ao todo, as áreas somam mais de 50 mil hectares — o equivalente a quase 28 mil estádios do Maracanã —, loteados pela mineradora britânica para a exploração de ferro, manganês, ouro e quartzito/quartzo.
A estratégia da Brazil Iron tem sido fragmentar projetos de exploração mineral em uma mesma região, buscando driblar a burocracia na aprovação dos empreendimentos. Esse método, segundo a CPT, funciona como uma “bomba-relógio”, ao subestimar os impactos acumulados da mineração na Chapada, podendo “comprometer uma das maiores fontes de água limpa do estado”.