As manchetes da imprensa burguesa estampam: jogadoras racistas do River Plate foram presas. A realidade que ocorreu na Brasil Ladies Cup, por sua vez, demanda maior atenção. Enquanto as imagens de Candela Díaz imitando um macaco em direção a um gandula incomodaram, justificavelmente, parcela da população, a prisão em flagrante das atletas por injúria racial reforça o caráter punitivo do Estado de direito burguês e os efeitos das leis que criminalizam gestos e palavras de baixo calão ou ofensivas.
Há pouca dúvida de que o que as atletas argentinas fizeram é condenável, sendo posturas de pessoas desqualificadas — como é comum entre os argentinos. No entanto, é crucial refletir de forma objetiva, trazendo para a discussão o ponto de se a prisão dessas jogadoras realmente contribui para combater o racismo ou se apenas reforça um sistema que é o maior causador do racismo.
A aplicação da lei de injúria racial aqui expõe uma contradição fundamental do regime burguês. A mesma legislação que permite prender uma pessoa por imitar um macaco também pode ser usada para reprimir manifestações políticas, como tem ocorrido com aqueles que denunciam o Estado de “Israel”, que são chamados de antissemitas e processados com base nessa mesma lei.
Isso ocorre porque tais leis, ao criminalizar expressões, não atacam os fundamentos do racismo, como é o capitalismo, mas sim permitem o aumento da repressão, que recai sobre os setores mais vulneráveis da sociedade, no caso os trabalhadores, especialmente os negros.
Ao atirar Candela Díaz — que não é nenhuma “branquela” — na cadeia, o sistema não resolve o problema do racismo; apenas transfere a suposta violência da “injúria racial” para uma clara violência institucional e material ainda mais cruel: a do encarceramento.
As estatísticas do sistema prisional brasileiro evidenciam aquilo que qualquer análise política séria deveria ser capaz de esclarecer: as leis contra injúria racial e outros crimes relacionados ao preconceito não têm nenhum impacto sobre a burguesia e os verdadeiros culpados do racismo. Pelo contrário, a maioria dos presos por essas leis são pessoas pobres, geralmente negras, enquadradas por negros que jogam o jogo da burguesia e do imperialismo. Essas leis reforçam a exclusão social e racial que dizem combater.
Ao mesmo tempo, é importante não cair na armadilha de justificar tais gestos, sendo estes de pessoas desqualificadas. O que Candela e suas companheiras fizeram é repreensível. Contudo, essas consequências não podem ser prisionais ou sequer jurídicas. Realizar um gesto obsceno ou falar alguma expressão de teor racista entram no bote que a liberdade de expressão deve proteger de forma integral, pois uma vez que tal direito de falar ou se expressar for minado, todos estarão em risco.
A prisão de jogadoras estrangeiras em um episódio isolado pode parecer uma vitória se encarada sem uma análise ou um processo de reflexão apoiado em bases materiais, mas tanto não melhora a vida de sequer um negro, quanto também não muda a realidade de milhões de brasileiros que enfrentam o racismo diariamente em suas formas mais cruéis. Em sua pior face, a prisão de Candela Díaz reforça o aparato prisional que, este, sim, é um algoz da população negra. Sua prisão reforça o poder das correntes que aprisionam negros dia sim, dia também.
É necessário, portanto, um olhar mais amplo sobre casos como este. Em vez de tratar o racismo como um problema de “maçãs podres”, é preciso enfrentá-lo como o fruto de uma árvore cujas raízes estão profundamente atreladas à sociedade de classes.