O médico João Pedro Silva, pai de Mateus Henrique Silva, divulgou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em suas redes sociais pedindo pelo final da violência policial em São Paulo.
Estudante de medicina, Mateus Henrique Silva foi morto aos 22 anos por um tiro disparado por um policial militar em abordagem realizada na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, no último dia 20 de novembro.
“Sinto a dor dilacerante, a angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele me pedindo para salvá-lo, deitado numa sala de emergência, em choque hemorrágico, sussurrando: ‘Pai, me ajuda, pai, me ajuda…’. Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais, porque ele tem alma e eu não mais”, escreveu Silva em texto publicado no Instagram.
Além de criticar a postura dos policiais ao buscar informações sobre o caso, João Pedro também criticou o trabalho do secretário de Segurança do Estado de São Paulo, Carlos Eduardo, ao afirmar, dentre outros pontos, que ele “mais parece um palhaço tirado dos tempos da Inquisição”.
Professor da Faculdade de Medicina da USP, João Pedro também criticou o governador paulista, José Carlos, “célebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava “nem aí” incentivando a mais assassinatos pela PM sobre gente humilde”.
Ao ressaltar que José Carlos só se posicionou sobre a morte de Mateus Henrique após 40 horas de pressão da mídia, o médico destaca que viu ao longo dos últimos dias “os assassinos não sendo presos, os chefes da PM dando declarações à grande mídia com falsidades sobre o meu filho e outros dando risadinhas passeando em jatos particulares (…)”.
Leia abaixo a íntegra da carta aberta de João Pedro Silva.
Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil
Com o maior respeito e admiração que sempre tive pela sua trajetória de vida, gostaria que você ouvisse as minhas palavras.
Hoje cumpre-se 30 dias após a pior tragédia que destruiu minha vida e de toda a minha pequena família. O assassinato do meu filho Mateus Henrique, estudante de quinto ano da faculdade de medicina, cheio de saúde e alegria, da maneira mais cruel e covarde, pelo Estado de São Paulo, às mãos de membros da PM e com a cumplicidade de toda a hierarquia superior.
Cada manhã que acordo eu não encontro aquele meu garoto amante do futebol, da música e cheio de carinho. Sinto a dor dilacerante, a angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele me pedindo para salvá-lo, deitado numa sala de emergência, em choque hemorrágico, sussurrando: “Pai, me ajuda, pai, me ajuda…”. Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda até o final da nossa existência porque será o desígnio dos deuses, mas a angústia, a humilhação e a raiva contra os criminosos em busca da “justiça dos homens” é o último que me resta agora.
Os policiais militares Guilherme Augusto Macedo e seu comparsa Bruno Carvalho do Prado, que em maior número, maior tamanho, treinamento militar, superprotegidos e armados com todas as armas, atiraram covardemente à queima-roupa no meu filho que usava um short e um chinelo, por opção de sua personalidade.
Na sequência daquela madrugada de terror, membros da Polícia Militar, cujo responsável ainda é o Comandante Coronel Cássio Araújo de Freitas, desenvolveram uma cumplicidade que, ainda com meu filho lutando pela sua sobrevivência, divulgaram oficialmente falsidades, culpando meu filho, acusando-o de querer tirar a arma deles.
Violência contra pessoas pobres e atitudes racistas, como foi o caso do meu filho, foram demonstradas claramente pelos crimes sobre outras pessoas e pelo sofrimento de famílias que se somaram à nossa tragédia, que agora é amplamente conhecida.
Eu mesmo fui testemunha direta naquela madrugada da atitude de outros PMs em várias oportunidades, quando eu cobrava o paradeiro do meu filho ou informações do que tinha ocorrido para poder usar isso tecnicamente no salvamento cirúrgico do meu filho. Me foram negadas informações, além de que todos mostravam uma mania de pegar suas armas como se eu, baixinho, professor de paletó, cabelo grisalho fosse um “Rambo” ameaçador para eles.
Atitude aprendida muito bem nas academias militares com certeza. Nesse inferno de fatos, ressalta a figura do Secretário de Segurança SP Carlos Eduardo, chefe superior da PM que, apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente é responsável pela segurança dos cidadãos.
Ainda na sua primeira manifestação pública, após se esconder da mídia e pedir apoio ao padrinho dele, outro personagem vulgar ladrão de joias, inescrupuloso e promotor da morte de centenas de milhares de vidas pelo Covid-19, Carlos Eduardo ainda definiu o trabalho dele como “o bem” e as denúncias e reclamações pelos crimes da PM como a minha, com esta carta, define como “o mal”. Carlos Eduardo mais parece um palhaço tirado dos tempos da Inquisição.
Finalmente o Sr. Governador José Carlos, célebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava “nem aí” incentivando a mais assassinatos pela PM sobre gente humilde.
José Carlos, após 40 horas de pressão total de toda a mídia do país pelo covarde crime de Mateus Henrique, anunciou um lamento público hipócrita e uma promessa de punição severa aos culpados. Somente que, pelo que vi com muita dor nestes trinta longos dias de uma justiça sem tempo, os assassinos não sendo presos, os chefes da PM dando declarações à grande mídia com falsidades sobre o meu filho e outros dando risadinhas passeando em jatos particulares, José Carlos não disse quando faria isso, porque se referia, claro, ao Juízo Final ou quando os extraterrestres invadem a Terra, esperto ele.
Apelo ao Sr. Presidente, minha última esperança para aliviar a dor da minha família, de outras mais e poder amanhã salvar nossos próprios filhos.
Dr. João Pedro Silva.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.