A relação entre Lula e Nicolás Maduro nunca esteve tão ruim. O motivo mais recente é a decisão do governo venezuelano de retirar do Brasil a custódia da embaixada argentina em Caracas. Diplomatas brasileiros envolvidos na questão disseram à CartaCapital sob condição de anonimato que o caso tornou-se um “passivo que causa incômodo” – um eufemismo diplomático para uma crise nas relações entre os dois presidentes, que o Itamaraty tenta contornar da maneira mais discreta possível, enquanto organizações de direitos humanos aumentam a pressão por um pronunciamento público brasileiro.

A situação já dura nove meses, sem que haja sinal de distensão. Desde março, militares venezuelanos cercam a embaixada argentina em Caracas, ignorando os apelos do Brasil para que sejam respeitadas as garantias de proteção consular previstas nas Convenções de Viena de 1961 e 1963. O fato de Maduro ter retirado do Brasil a custódia da embaixada é um sinal de desconfiança e de desprestígio em relação ao governo Lula na gestão dessa crise e, consequentemente, enfraquece o papel de potência regional ao qual o Brasil aspira quando investe nas articulações de grupos como o G20 e os Brics.

A impotência brasileira neste caso virou motivo de críticas internacionais. “Seria importante uma denúncia pública do assédio pelo governo venezuelano contra as pessoas asiladas”, disse a CartaCapital César Munõz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. A organização que ele representa publicou uma nota nesta quarta-feira 18, juntamente com a Anistia Internacional e outras quatro organizações, na qual acusam o governo Maduro de cortar a energia elétrica e a água da embaixada argentina, além de dificultar a entrada de alimentos e de medicamentos para as pessoas que estão lá dentro desde março.

Nesta sexta-feira 20, um dos seis asilados que estavam no interior da embaixada argentina, Fernando Martínez Mottola, da PUD (Plataforma da Unidade Democrática), desistiu de esperar por uma retirada segura e acabou negociando sua saída com as autoridades locais. Não estão claros ainda os termos do acordo que ele celebrou. A decisão de Martínez evidencia o cansaço do grupo que há nove meses espera por um desfecho.

O Brasil assumiu a custódia da embaixada argentina no dia 5 de agosto. A medida foi tomada pelo governo Lula depois que o governo Maduro expulsou os diplomatas do local, acusando-os de “ingerência” nas eleições presidenciais venezuelanas. Além deles, foram alvo de medida semelhante os diplomatas de Chile, Peru, Costa Rica, Panamá, República Dominicana e Uruguai. A medida marcou um ponto importante no crescente descrédito e isolamento do presidente venezuelano, cuja vitória eleitoral é amplamente contestada.

A expulsão dos diplomatas argentinos deixou expostos seis membros da oposição venezuelana que tinham entrado no local em março, pedindo asilo. O grupo é acusado pela Justiça local de planejar atos de terror e o assassinato de Maduro, o que, para as organizações de direitos humanos, não passa de mera perseguição política. Os cinco requisitantes de asilo que ainda vivem no interior da embaixada argentina, depois da saída de Martínez, nesta sexta-feira 20, são todos membros do partido de Maria Corina Machado, a mais forte figura de oposição a Maduro, hoje.

O governo brasileiro não se pronuncia sob o mérito dessas acusações contra os asilados, mas o fato de evocar a Convenção de Viena para garantir a inviolabilidade da embaixada é um gesto na direção da proteção do grupo. Do contrário, Maduro já teria capturado todos.

Além disso, o embaixador brasileiro Benoni Belli disse em pronunciamento na sessão extraordinária da OEA (Organização dos Estados Americanos) de 11 de dezembro que o Brasil “vem atuando para viabilizar a concessão de salvos-condutos para os asilados”. De acordo com ele, esse tema “vem sendo objeto de tratativas, em alto nível, envolvendo as autoridades venezuelanas”. Mas, pela persistência do impasse e pelo que as organizações de direitos humanos dizem ser uma piora acentuada das condições, as tratativas às quais a diplomacia brasileira se refere não estão tendo o efeito esperado, o que evidencia o distanciamento entre Mauro e Lula.

O sinal mais evidente dessa discordância é a bandeira brasileira hasteada na embaixada argentina, apesar de o governo venezuelano já não reconhecer essa custódia há três meses.

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Last Update: 20/12/2024