O chanceler alemão, Olaf Scholz, sofreu uma derrota histórica no dia 16 de dezembro, ao perder um voto de confiança no Bundestag, o parlamento alemão. Com 394 votos contra, 207 a favor e 116 abstenções, a maior economia da Europa mergulhou em uma crise política sem precedentes. A dissolução do governo coloca a Alemanha diante de eleições antecipadas marcadas para 23 de fevereiro, as primeiras em quase duas décadas.
O resultado foi um golpe definitivo para a coalizão de três partidos liderada por Scholz, composta pelo Partido Social-Democrata (SPD), os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP). A aliança vinha enfrentando divisões internas crescentes desde novembro, quando o FDP, liderado por Christian Lindner, foi acusado de sabotagem planejada contra o governo. Seguindo o protocolo constitucional, Scholz convocou o voto de confiança em um discurso de 25 minutos, no qual afirmou que política não é um jogo e criticou seus ex-colegas de coalizão por falta de maturidade moral.
A decisão do Bundestag abre um período de transição conturbado. Embora as eleições estejam marcadas para fevereiro, a formação de um novo governo pode se estender até maio, deixando Scholz como chanceler interino até lá. Na votação, a fragmentação dos partidos foi evidente: os parlamentares do SPD votaram em bloco pela confiança, enquanto os Verdes e o FDP se dividiram.
O conservador União Democrata Cristã (CDU), liderado por Friedrich Merz, votou contra Scholz e aparece como favorito nas pesquisas com cerca de 34% das intenções de voto. Em contraste, o SPD amarga 17%, metade do seu principal rival.
Outro fator relevante foi o crescimento do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem 18% de apoio nas pesquisas e consolida posições em estados do leste alemão. A situação também é complicada pela entrada da Aliança Sahra Wagenknecht, uma dissidência da esquerda tradicional que pode atrair eleitores desiludidos com o SPD e os Verdes.
O rompimento da coalizão foi impulsionado por disputas sobre políticas econômicas e orçamentárias. A questão central foi o freio de dívida, uma restrição fiscal equivalente ao teto de gastos brasileiro.
Em alinhamento com os banqueiros e outras organizações burguesas, Scholz pediu sua flexibilização para permitir investimentos necessários em infraestrutura e defesa, mas enfrentou resistência feroz de Lindner. O FDP, por sua vez, argumentou que a medida minaria a disciplina fiscal e colocou obstáculos à aprovação do orçamento.
Os Verdes também desempenharam um papel crucial na crise. Sob a liderança de Robert Habeck, o partido não conseguiu mediar o impasse, e suas propostas de transição energética foram vistas como pouco realistas diante do impacto da perda do gás natural russo. A invasão da Ucrânia pela Rússia e as sanções subsequentes minaram o abastecimento energético da Alemanha, agravando os custos para a indústria e aprofundando a desaceleração econômica.
No discurso que abriu a sessão, Scholz tentou capitalizar politicamente sobre seu governo durante a guerra na Ucrânia, destacando que a Alemanha se tornou a maior doadora europeia de armas para Quieve. Ele também se defendeu das críticas, dizendo que evitou uma escalada do conflito ao recusar o envio de mísseis Taurus de longo alcance. Ainda assim, as críticas de seus opositores, que o acusam de indecisão e falta de liderança, prevaleceram.
Antes um modelo de estabilidade, a Alemanha está agora no centro de uma crise política mais ampla que afeta toda a Europa. O colapso do governo de Scholz ocorre em um momento de instabilidade para o continente, com o presidente francês Emmanuel Macron também enfrentando divisões internas e mudando de primeiro-ministro pela quarta vez em um ano. Especialistas do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) ouvidos pelo jornal norte-americano The New York Times para a matéria Governo da Alemanha perde voto de confiança e entra em colapso em momento perigoso para a Europa apontam que a combinação de desafios — desde a guerra no Leste Europeu até o aumento das tensões comerciais com a China e os Estados Unidos — tem acelerado a fragmentação política no bloco, dificultando a coordenação entre os países-membros da União Europeia.
Segundo Jana Puglierin, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, o momento é absolutamente terrível para a União Europeia. Essas múltiplas crises estão atingindo o bloco no pior momento possível, porque o motor tradicional da UE, Alemanha e França, está ocupado consigo mesmo.
Os efeitos da crise política também são sentidos fora da Europa. A postura da Alemanha em relação à guerra na Ucrânia e sua dependência econômica da China são vistas como fatores que enfraquecem a posição do imperialismo europeu.
Além disso, a guerra revolucionária no Oriente Médio tem colocado mais pressão sobre a Alemanha, especialmente devido às manifestações populares de apoio à Palestina e à repressão brutal ordenada por Scholz contra os manifestantes, o que acelerou a derrocada do governo e coloca o principal país da Europa sob uma grande incerteza.