“Entre as formas de soberba, talvez a mais perigosa seja a da cultura ocidental. Não basta ter sido difundida e dominado todo o mundo. Pretende-se ter a melhor religião, revelada por Deus, o cristianismo; a melhor forma de governo, a democracia; a melhor tecnociência, tão poderosa que pode destruir tudo, inclusive a vida no planeta (e ela mesma); a melhor literatura; os pintores mais geniais; os filmes mais bem acabados da história; as mais sofisticadas vias de comunicação virtual…” – Leonardo Boff
Pior ainda, não vemos que essa falta de humildade esteja retrocedendo, senão avançando.
São esses os “valores” sobre os quais se fundamentam guerras (como aquelas na Ucrânia e no Sudão, entre outras) e invasões (como as que Israel empreende em Gaza, no Líbano e na Síria).
Importante notar que a expansão das ideologias ocidentais ocorre no front da guerra cultural que o mesmo Ocidente move, sem quartel, no âmbito internacional, tentando recolonizar o Sul Global, que historicamente sustenta o padrão de vida do Norte.
Nesse sentido, vale observar como a extrema-direita internacional utiliza arquétipos, repaginando-os.
A ameaça comunista, por exemplo, corresponde àquele do lobo mau, que igualmente comia criancinhas.
A imigração, ao medo tribal de que o grupo seja destruído por tribo inimiga.
Ao lado disso, o temor de que a religião alheia nos leve a adorar ídolos.
Por esses motivos, seria relevante que as forças progressistas passassem a estudar os arquétipos. Uma boa leitura é O Homem e seus Símbolos, do pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung. A autobiografia dele também é pródiga no tema.
Ao isolamento, as esquerdas deveriam contrapor a socialização: políticas externas abertas, inclusivas, participativas, distantes de epítetos vetustos.
Por outro lado, em O pescador ambicioso e o peixe encantado, Leonardo Boff nos ensina como desmascarar falsos mitos. Diz o autor: “Os humanos irromperam tardiamente no cenário da evolução, quando a Terra estava 99,98% pronta. Eles não assistiram a sua formação nem ela precisou deles para organizar sua complexidade e biodiversidade. Como pode lhes pertencer? Só a ignorância unida à arrogância os faz pretender a posse da Terra”.
De maneira maravilhosa, Boff aduz: “Porém, o mais importante é que somos seres de relação e construtores de pontes. Somos como um bulbo, com raízes que se deslocam para todas as direções. Somos um nó de relações que se abrem para todos os lados, buscando conexões. Quanto mais nos relacionamos, mais encontramos aliados e mais pontes lançaremos, fortalecendo-nos e nos religando. Seremos mais”.
Que lindo programa de relações internacionais!
Às guerras, contrapomos a paz; ao isolamento, a religação, que está na própria raiz etimológica de “religião” (que deriva do verbo latino para “religar”); à injustiça socioclimática, as tão ansiadas justiça social e climática.
Por que complicamos tudo tanto? Não seria adrede, de propósito, intencionalmente?
O teólogo complementa o raciocínio: “Em segundo lugar, somos seres interdependentes. É a consequência de estarmos sempre inseridos em redes de relações. Um ajuda o outro e até reforça o mais frágil a sobreviver, graças à interdependência e à teia de relações; cada um tem o seu lugar no conjunto dos seres e uma mensagem que só ele pode transmitir”.
Que linda mensagem de paz e justiça! Somos únicos, cada um de nós! Sem exceção, com função específica nesta vida, para o bem do conjunto da humanidade, não apenas um indivíduo, família, país ou conjunto de nações.
Portanto, conjuguemos o verbo “socializar”, à exaustão!
E socializemos no presente e até no passado e no futuro!
Não viemos todos da Etiópia? Não foi lá que o “homo sapiens” se originou? Haverá salvação para algum país ou nação, independentemente dos demais?
Sabemos que nosso destino é comum, mas continuamos a pensar limitadamente, de forma compartimentada, sem levar em consideração que nosso passado, presente e futuro são comuns, quer estejamos conscientes disso ou não!
Há muitas coisas que não estão ao nosso alcance, mas socializar está!
Até nossos dramas mais internos, como as dores profundas da doença mental podem ser minimizadas quando as socializamos com outras pessoas, por meio das conversas, dos diálogos, que não levam à consolação: eles são a consolação, terapia social, que meu pai, psiquiatra, costumava prescrever.
Se socializar serve até para os dramas mais íntimos, que parecem nos isolar dos demais, como não servirá para reparar injustiças sociais, climáticas e internacionais?
Na obra em apreço, de Leonardo Boff, o querido frei nos recorda: “…Péricles (495-429 a.C.) o grande estadista democrático, general e exímio orador em Atenas, deixou-nos esta brilhante afirmação que expressa o espírito de equilíbrio e de justa medida, com marcas visíveis até hoje, nas ruínas gregas em Atenas, na Acrópole, em Corinto, em Delfos, em Olímpia e nas muitas ilhas do Mediterrâneo. Péricles deixou dito brilhantemente: ‘Amamos o belo, mas com frugalidade. Dedicamo-nos à sabedoria, mas sem vanglória. Usamos a riqueza para empreendimentos necessários, sem ostentações inúteis. A pobreza não é vergonhosa para ninguém. Vergonhoso é não se fazer o possível para evitá-la’.
Um Feliz Natal, para todas, todos e todes!
Que a simplicidade, a humildade e o desejo de partilhar do Menino possam renascer em nós, de forma a sermos um na dor, mas também na alegria, na comunhão e na felicidade.