Para mapear, coletar e analisar evidências científicas sobre estratégias de monetização por meio da produção e disseminação de discursos misóginos no YouTube, o Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, uma parceria do Ministério das Mulheres com o NetLab UFRJ, apresentou o relatório “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube”. Há, também, um sumário executivo da pesquisa, que pode ser acessado aqui.
O levantamento propôs identificar os assuntos e as comunidades predominantes na machosfera na plataforma no Brasil e analisar as estratégias de disseminação de discurso misógino. Além disso, o estudo identificou padrões de narrativa e sustentabilidade financeira dos canais que propagam ódio contra mulheres.
Na avaliação do Ministério, embora não seja possível correlacionar diretamente a circulação de discursos misóginos e o aumento da violência, a pesquisa contribui com pistas para compreender melhor essa relação. Entre 2021 e 2024, o volume de vídeos mapeados pelo estudo aumentou drasticamente. Neste mesmo período, o número de feminicídios no Brasil também cresceu: em 2021, foram registrados 1.347 mortes de mulheres em função do seu gênero. Em 2023, o número de vítimas foi de 1.463. O número de casos de violência doméstica e familiar também aumentou quase 10% entre 2022 e 2023.
De acordo com o Ministério, foram analisados computacionalmente 76,3 mil vídeos para traçar um panorama da chamada “machosfera”, rede de influenciadores e comunidades digitais masculinistas. Os vídeos analisados somam mais de 4 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários. A análise dos vídeos considerados misóginos lança luz a discursos nocivos que contribuem para naturalizar comportamentos como o ódio, o desprezo, a aversão e o controle das mulheres.
A partir dos resultados obtidos, foi possível traçar um panorama do ecossistema misógino na plataforma, de modo a contribuir com as políticas públicas de combate ao ódio e à violência de gênero na internet e fora dela.
“A meta de feminicídio zero, que é nossa prioridade, somente será alcançada se pudermos compreender e conscientizar a população sobre o que é a misoginia e as suas consequências, e não há como alcançar isso, atualmente, sem olhar para a internet. Por isso, esta iniciativa é fundamental, já que nos ajuda a mapear a violência contra as mulheres e conhecer os discursos que incentivam comportamentos violentos online”, destacou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.
O estudo ainda observou de maneira qualitativa os vídeos de 137 canais com conteúdos explicitamente misóginos. Juntos, eles publicaram, nos últimos seis anos, mais de 105 mil vídeos. Em média, têm 152 mil inscritos e somam 3,9 bilhões de visualizações em seus conteúdos, evidenciando a relevância desse ecossistema tóxico no ambiente digital.
Machosfera virtual é campo vasto para violência de gênero
A busca por expressões e canais problemáticos no YouTube levou a 76,3 mil vídeos, que compuseram o corpus de análise geral da pesquisa. Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo da “machosfera” e do volume de conteúdos potencialmente misóginos no YouTube.
Isso é particularmente evidente a partir de 2022, quando ocorre um aumento significativo de vídeos com narrativas masculinistas. “Desprezo às mulheres e estímulo à insurgência masculina” é o tema que predomina na machosfera. A maior parte dos vídeos analisados computacionalmente promove a crença de que há uma espécie de conspiração social pela dominação feminina. Os influenciadores defendem que é necessário resistir a essa dominação e se insurgir contra as mulheres, que são vistas por eles como manipuladoras e oportunistas.
Os 137 canais com conteúdo misógino somam 3,9 bilhões de visualizações, e somam mais de 105 mil vídeos produzidos e possuem, em média, 152 mil inscritos, se considerados todos os vídeos produzidos por cada canal – mesmo os que não foram capturados na coleta.
Os vídeos expressam aversão, desprezo, controle e ódio às mulheres, com comentários direcionados a grupos específicos, tratados de forma generalizada, como “as feministas”, “as mães solteiras” e “as mulheres mais velhas”. Com isso, perpetuam comportamentos hostis, fortalecendo um cenário discriminatório contra mulheres no YouTube.
Além disso, há canais com conteúdo misógino que encorajam violência psicológica ou moral contra mulheres. Mais da metade dos canais com conteúdo misógino ataca “as feministas”. Foram identificados 89 canais que ofendem ou incitam a aversão a mulheres descritas como feministas ou ao feminismo. Há, também, conteúdos questionam direitos das mulheres e da família, como a garantia à pensão alimentícia e a proteção da mulher vítima de violência pela Lei Maria da Penha. Influenciadores misóginos negam a existência do patriarcado e afirmam que o feminismo é um movimento social opressor que subjuga os homens e prejudica as próprias mulheres.
Misoginia dá lucro na plataforma
Cerca de 80% dos canais misóginos contam com alguma estratégia de monetização. Recursos nativos do YouTube, como anúncios e doações em transmissões ao vivo, são as principais formas de monetização utilizadas em canais com conteúdos misóginos.
Esses canais também recorrem a formas alternativas de geração de receita, como vendas de produtos e serviços, plataformas de financiamento coletivo e links de afiliados, chegando a cobrar R$1 mil por “consulta individual”.
O YouTube também participa dessa monetização, já que lucra com conteúdos polêmicos e com alto engajamento por meio de seus recursos nativos, como anúncios, sistema de assinaturas, doações em transmissões ao vivo, entre outros. Dentre os canais sinalizados como misóginos, 52% geram receitas a partir de anúncios e 28% do programa de membros do YouTube. A capacidade de geração de renda desses conteúdos revela como o discurso de ódio contra mulheres é facilmente capitalizado.
Da Redação do Elas por Elas, com informações do MMulheres e do relatório “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube”