Câmara aprova PL que retoma lógica manicomial
Pessoas com transtorno mental ou deficiência que cometem crimes podem ter penalidade superior às pessoas com plena compreensão de seus atos
Por [nome do autor], Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
A Câmara dos Deputados aprovou ontem o Projeto de Lei 1637/19, que aumenta o tempo de mínimo de internação compulsória de pessoas que, em razão de transtorno mental ou deficiência, são inimputável ao cometer um crime. O PL também aumenta de 1 para 3 anos o intervalo das avaliações do internado.
O psiquiatra Paulo Amarante, pesquisador da Fiocruz e ex-presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, avalia que a identificação dos deputados que elaboraram e aprovaram o projeto revela o que há de mais reacionário na sociedade brasileira.
Para o psiquiatra, doutor em Saúde Pública, o PL “não tem qualquer fundamento”. “O que se defende atualmente na psiquiatria é a revogação dessas ideias sobre a loucura, sobre as pessoas em sofrimento psíquico. A ideia de periculosidade visa dar fim a uma população para qual o Estado não tem política pública de cuidado e proteção “, afirma Amarante.
O professor Itamar Lages, mestre em Saúde Mental e diretor-executivo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, afirma que “Criar uma legislação que discrimina pessoas segundo um critério mítico e objetivamente inverificável de “periculosidade”, obrigando sua internação em serviços de saúde de características carcerárias e excludentes, é, por conseguinte, inconstitucional”.
A Associação Brasileira de Saúde Mental publicou nota técnica contra o PL 551, apensado ao projeto.
A deputada Érika Kolkay (PT-DF) afirmou que “Estamos discutindo mudança no Código Penal de pessoas que não têm discernimento do ato que cometeram. E aqui se está estabelecendo praticamente uma prisão perpétua, porque aqui se está estabelecendo que essas pessoas têm que ficar, no mínimo, de 3 a 20 anos, e apenas de 3 em 3 anos elas terão avaliação multidisciplinar para ver a cessação ou não da periculosidade”.
Reforma Psiquiátrica
A reforma psiquiátrica remonta às ideias do italiano Franco Basaglia, que revolucionou, a partir da década de 1960, as abordagens e terapias no tratamento de pessoas com transtornos mentais.
Em 1978, denúncias de profissionais da Divisão Nacional de Saúde Mental sobre graves violações humanitárias em instituições psiquiátricas levou à demissão da maioria dos denunciantes.
Em 1987, foi fundado o movimento antimanicomial, trazendo o protagonismo dos usuários à luta pela Reforma Psiquiátrica, então encampada por profissionais da Saúde.
A intensão pressão social levou à aprovação, em 2001, da Lei da Reforma Psiquiatra, que organiza a assistência em Saúde Mental no Brasil.